sexta-feira, 11 de setembro de 2015

29 DE SETEMBRO DE 2015


A HISTÓRIA DE ADELE H. (1975)

"A História de Adéle H.", partindo de factos concretos e de personagens reais, nomeadamente a filha de Victor Hugo, recria uma história de "amor louco", que progride até à demência, desenvolvendo-a com a sensibilidade, o pudor e o doloroso olhar que a figura frágil e teimosa de Adele Hugo requeria, baseando-se, para tanto, numa biografia dessa mulher misteriosa e no seu diário íntimo. Os pontos de contacto com "O Menino Selvagem" do mesmo Truffaut são frequentes, não só ao nível da construção do próprio filme, que se estrutura sobre textos, como ainda no tratamento dado à figura central desta obra, que tem semelhanças indiscutíveis com "L'Entant Sauvage".
Trata-se, aliás, de dois filmes sobre personagens marginalizadas "a contre coeur", que tentam reentrar na sociedade, ainda que recusando as regras e os padrões da vida estipulados. Adéle H. persegue um amor impossível, o que ela não aceita e contraria por todas as formas ao seu alcance, num percurso de trágicas ressonâncias. Para Adéle H., o tenente Pinson funciona como ideal a atingir, como meta a alcançar. Para o conseguir, para "tocar" essa ideia que lentamente se vai fixando no seu espírito. Adéle mobiliza todo o seu ser, toda a sua vontade, todo o seu amor. O que torna esta "historia" uma aventura de limites dúbios, oscilando entre a história de amor, romântica e excessiva, e a loucura. Limites que continuamente se esbatem, reservando-se ao espectador a liberdade de uma interpretação, de um juízo que, todavia, se sabe precário e falível. O que faz o fascínio desta obra que escorrega voluptuosamente por entre os dedos, desafiando o público, propondo-lhe o conhecimento (sempre improvável) de um rosto de mulher que intransigentemente caminha para o abismo, que o reconhece e, todavia, prossegue.


De resto, "A História de Adéle H." é uma admirável viagem ao século XIX, reconstituindo com minúcia um tempo, uma ambiência, o colorido de uma época, o pulsar de uma geração, Para o que a fotografia de Nestor Almendros e a música de Maurice Jaubert se revelam auxiliares indispensáveis, bem assim como a presença absorvente de lsabelle Adjani, um olhar macerado e dorido, iluminado, porém, pela esperança nunca destruída. Um filme secreto, que nos restitui Truffaut num ponto alto da sua carreira.

A HISTÓRIA DE ADÈLE H.
Título original: L'histoire d'Adèle H.
Realização: François Truffaut (França, 1975); Argumento: François Truffaut, Jean Gruault, Suzanne Schiffman, Frances Vernor Guille, segundo “Diário”, de Adèle Hugo; Música: Maurice Jaubert, Patrice Mestral, Jacques Noureddine, François Porcile; Fotografia (cor): Néstor Almendros; Montagem: Martine Barraqué, Yann Dedet, Jean Gargonne, Michèle Neny, Muriel Zeleny; Design de produção: Jean-Pierre Kohut; Guarda-roupa: Jacqueline Guyot;  Maquilhagem: Chantal Durpoix, Thi-Loan Nguyen; Direcção de Produção: Marcel Berbert, Claude Miller, Patrick Millet, Roland Thénot; Assistentes de realização: Carl Hathwe, Suzanne Schiffman; Departamento de arte: Daniel Braunschweig; Som: Michel Laurent, Jacques Maumont, Jean-Pierre Ruh; Companhias de produção: Les Artistes Associés, Les Films du Carrosse, Les Productions Artistes Associés; Intérpretes: Isabelle Adjani (Adèle Hugo / Adèle Lewly), Bruce Robinson (Lt Albert Pinson), Sylvia Marriott (Mrs. Saunders), Joseph Blatchley (Mr. Whistler), Ivry Gitlis (Hipnotista), Louise Bourdet  (criada de Victor Hugo), Cecil De Sausmarez (Mr. Lenoir), Ruben Dorey (Mr. Saunders), Clive Gillingham (Keaton), Roger Martin  (Dr. Murdock), M. White (Coronel), Pierre Leursse, Geoffroy Crook, Chantal Durpoix, Raymond Falla, David Foote, Jacques Frejabue, Carl Hathwell, Edward J. Jackson, Aurelia Mansion, Thi-Loan Nguyen, François Truffaut (oficial), Ralph Williams, etc. Duração: 96 minutos; Distribuição em Portugal: LNK / MGM; Classificação etária: M/ 12 anos.


ISABELLE ADJANI (1955 - )
Isabelle Adjani é seguramente uma das mais belas e talentosas actrizes francesas de sempre, e uma das mais premiadas. De uma beleza serena, mas de um temperamento tempestuoso, Adjani escolhe e é escolhida para papéis de personagens nevróticas, intensas, por vezes frágeis, por vezes perturbadas, misteriosas, sufocadas pelo peso das convenções da sociedade. Foi das actrizes francesas de mais rápida ascensão e de maior fulgor ao longo das décadas.
Isabelle Yasmine Adjani nasceu a 27 de Junho de 1955 em Paris, França, filha de Mohammed Chérif Adjani, argelino, e de Emma Augusta Schweinberger, alemã. Desde muito jovem se sentiu impelida a representar. Cresceu em Gennevilliers, estudou no colégio Paul-Lapie em Courbevoie depois no liceu Jean-Jaurès, em Reims. Aos 12 anos era actriz de teatro amador, aos 14 surge num primeiro filme, “Le Petit Bougnat”, de Bernard Toublanc-Michel. Aos 17, já a vamos encontrar na televisão francesa, mas o seu primeiro grande triunfo terá sido no teatro, no palco da Comédie Française, onde interpretou personagens criadas por Molière e Lorca. Em 1974, ganha reputação no cinema, com “La Gifle”, mas é no ano seguinte, ao interpretar o papel principal em “A História de Adele H”, de François Truffaut, onde revive a figura da filha do escritor Victor Hugo, que atinge a glória nacional e internacional. Recebeu a primeira nomeação para o Oscar de Hollywood (a segunda, anos mais tarde, seria para o seu magnífico trabalho em “Camille Claudel”). Os prémios sucedem-se: em 1981, Adjani recebe o prémio de melhor actriz do Festival de Cannes pela sua participação em “Quarteto”. No ano seguinte, recebeu o César por “Possessão”, em actuação considerada pelos críticos a melhor de sua carreira, senão a mais difícil, porque Adjani interpretava o papel de uma mulher frustrada que enlouquecia aos poucos. Em 1983, recebeu novamente o “César” por “Verão Assassino”. Em 1989, coproduziu e interpretou “Camille Claudel”, história romanceada da escultora que se relacionou com o escultor francês Auguste Rodin. O filme de Bruno Nuytten valeu-lhe um terceiro César e mais uma nomeação para o Oscar de melhor actriz, além de concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. No mesmo ano, a revista americana “People” incluiu-a entre as 50 mulheres mais bonitas do mundo. O quarto César vai surgir em 1994, com “Rainha Margot” e o quinto é-lhe atribuído em 2010, pelo filme “La Journée de la jupe”. Nunca nenhuma outra actriz conseguiu até hoje tal feito: cinco César e ainda outras nomeações. Foi considerada a melhor actriz no Festival de Cannes de 1981, e no Festival de Berlim de 1989. Ganhou o David di Donatello em 1975, o prémio do National Board of Review, de 1975 e ainda, no mesmo ano, o New York Film Critics Circle Awards. Ganhou, em 1983, o prémio de melhor actriz do Fantasporto. Adjani tem dois filhos, Barnabé, do seu casamento com Bruno Nuytten, e Gabriel-Kane, de uma tempestuosa relação com o actor britânico Daniel Day-Lewis. Teve ainda uma relação prolongada com o compositor Jean Michel Jarre.  


Filmografia
Como actriz: 1970: Le Petit Bougnat, de Bernard Toublanc-Michel; 1972: Faustine et le Bel Été (Desejo de Amar), de Nina Companéez; 1973: L'école des femmes (TV); 1974: Ariane ou Espace zéro, de Pierre-Jean de San Bartholomé; La Gifle, de Claude Pinoteau; Le secret des Flamands (TV); L'avare (TV); 1975: L'Histoire d'Adèle H. (A História de Adèle H.), de François Truffaut; Ondine (TV); 1976: Barocco (Escândalo de Primeira Página), de André Téchiné; Le Locataire (O Inquilino), de Roman Polanski; 1977: Violette et François (Violette & François), de Jacques Rouffio; 1978: Driver (O Profissional), de Walter Hill; 1979: Nosferatu, fantôme de la nuit (Nosferatu, o Fantasma da Noite), de Werner Herzog; Les Sœurs Brontë (As Irmãs Bronte), de André Téchiné; 1981: Clara et les Chics Types, de Jacques Monnet; Quartet (Os anos Loucos de Montparnasse), de James Ivory; Possession (Possessão), de Andrzej Zulawski; L'Année prochaine... si tout va bien (Um Casamento Muito Especial), de Jean-Loup Hubert; 1982: Tout feu, tout flame (A Vida É Uma Festa), de Jean-Paul Rappeneau; 1982: Antonieta, de Carlos Saura; The Last Horror Film, de David Winters (não creditada); 1983: Mortelle Randonnée, de Claude Miller; L'Été meurtrier (O Verão Assassino), de Jean Becker; 1984: Pull marine (curta-metragem); 1985: Subway (Subterrâneo), de Luc Besson; 1986: T'as de beaux escaliers, tu sais, de Agnès Varda (curta-metragem); 1987: Ishtar (Ishtar), de Elaine May; 1988: Camille Claudel (A Paixão de Camille Claudel), de Bruno Nuytten; 1989: L'Après-Octobre, de Merzak Allouache (documentário); 1990: Lung Ta: les Cavaliers du vent, de Marie-Jaoul de Poncheville (narração); 1993: Toxic Affair, de Philomène Esposito; 1994: La Reine Margot (A Raínha Margot), de Patrice Chéreau; 1996: Diabolique (Diabólica), de Jeremiah S. Chechik; 1998: Paparazzi, de Alain Berbérian; 1999: Bonne Nuit (TV); 2002: La Repentie, de Laetitia Masson; 2002: Adolphe, de Benoît Jacquot; 2003: Bon Voyage (Boa Viagem), de Jean-Paul Rappeneau; 2003: Monsieur Ibrahim et les Fleurs du Coran, de François Dupeyron; Figaro (TV); 2009: La Journée de la jupe (O Dia da Saia), de Jean-Paul Lilienfeld (TV); 2010: Mammuth, de Benoît Delépine e Gustave de Kerver; Guibert cinéma, de Anthony Doncque (documentário - narração);Raiponce, de Nathan Greno e Byron Howard (voz); 2011: De force, de Frank Henry; Aïcha (TV); 2012: David et Madame Hansen, de Alexandre Astier; 2013: Ishkq in Paris, de Prem Son; 2014: Sous les jupes des filles, de Audrey Dana;

No teatro: Na Comédie-Française: 1973: L'École des femmes, de Molière, encenação: Jean-Paul Roussillon; L'Avare, de Molière, encenação: Jean-Paul Roussillon; Port-Royal, de Henry de Montherlant, encenação: Jean Meyer; 1974: Ondine, de Jean Giraudoux, encenação: Raymond Rouleau; La Maison de Bernarda Alba, de Federico García Lorca, encenação: Robert Hossein;  (reposição no Théâtre de l'Odéon);

Fora da Comédie-Française: 1972: La Maison de Bernarda Alba, de Federico García Lorca, encenação: Robert Hossein, Maison de la Culture de Reims; 1983: Mademoiselle Julie, de August Strindberg, encenação: Jean-Paul Roussillon eis Andréas Voutsinas, Théâtre Édouard VII; 2000: La Dame aux camélias, de Alexandre Dumas e René de Ceccatty, encenação: Alfredo Arias, Théâtre Marigny; 2006: La Dernière Nuit pour Marie Stuart, de Wolfgang Hildesheimer, encenação: Didier Long, Théâtre Marigny; 2014-2015: Kinship, de Carey Perloff, encenação: Dominique Borg, Théâtre de Paris. 

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