domingo, 12 de julho de 2015

15 DE JULHODE 2015


NOSSA SENHORA DE PARIS (1956)

“Nossa Senhora de Paris” é um dos romances mais célebres de Victor Hugo. Por isso mesmo o cinema e a televisão se terão interessado tantas vezes por esta obra. Entre as várias adaptações, há algumas a merecerem ser recordadas: uma ainda muda, de 1923, dirigida por Wallace Worsley, com Lon Chaney e Patsy Ruth Miller, interessante; uma outra, de fim da década de 30 (1939), de William Dieterle, com a extraordinária interpretação de Charles Laughton, e uma boa presença de Maureen O'Hara; esta de que nos ocupamos agora, de 1956, assinada por Jean Delannoy, com Anthony Quinn e Gina Lollobrigida; um telefilme (que desconhecemos) de Peter Medak, com Mandy Patinkin, Richard Harris, Salma Hayek (1997); e ainda uma versão em animação, proveniente dos estúdios Disney, de 1996, realizada por Gary Trousdale e Kirk Wise, com vozes de Demi Moore, Jason Alexander, Tom Hulce, entre outros. Infelizmente não há uma obra-prima a sobressair, e a melhor versão, apesar de muito suavizada por se destinar a um público jovem, é a animação Disney. Há, todavia, um registo vídeo de um espectáculo teatral, um musical francês, que é bastante bom. “Notre-Dame de Paris” (1999) tem libreto de Luc Plamondon, música de Riccardo Cocciante, direcção de Gilles Amado e um elenco comandado por Hélène Ségara, Daniel Lavoie e Bruno Pelletier. Par quem gosta de musicais recomenda-se.
Infelizmente, o livro de Victor Hugo não tem sido muito respeitado, por várias razões. Uma delas porque tentam alterar o seu final, acabando quase sempre num happy end que não existe na obra literária, outra porque no romance surgem personagens nada simpáticas ligadas à igreja, e que normalmente são destorcidas para não ferir susceptibilidades. Depois, esta história da bela e do monstro, na sua versão de Esmeralda, a cigana, e Quasímodo, o corcunda de Notre-Dame, deixava (será que ainda deixa?) muitos amargos de boca. Quase todas as versões suavizaram a intriga e as personagens, e esta de Jean Delannoy ainda terá sido aquela que mais escrúpulos terá tido na sua adaptação.
Mas Jean Delannoy também não fez jus ao original donde partiu, sobretudo pela forma académica como colocou em imagens as palavras do mestre francês.  Delannoy assinou alguns títulos interessantes, nos anos 40 e 50. “Regresso Eterno” (1943), “Sinfonia Pastoral” (1946), “O Segredo de Mayerling” (1949) e “Deus Precisa dos Homens” (1950) são alguns dos seus filmes mais interessantes, até chegar a “Maria Antonieta” e “Nossa Senhora de Paris” (ambos de 1956). Depois haverá sobretudo a sublinhar duas adaptações de Simenon, com o grande Jean Gabin como inspector Maigret, “O Inspector Maigret” (1959) e “O Senhor Barão” (1960). Mas Jean Delannoy, como Jean Paul Le Chanois (que nos anos 50 também nos ofereceu uma muito académica versão de “Os Miseráveis”) são os bombos da festa da “nouvelle vague” que vê neste cinema esclerosado os símbolos do “cinema de Papa” que eles tanto odeiam, com alguma razão, e com maior veemência para se tornarem notados enquanto chefes de fila de uma nova corrente, que têm de destruir o que para trás fica para construir uma nova ordem sobre as ruínas da anterior.


Voltando a “Nossa Senhora de Paris”, não se poderá dizer que seja um grande filme, apesar de se notar a vontade de adaptar escrupulosamente o romance, com as devidas reduções que um caso destes sempre impõe. Mas os cenários são demasiados visíveis, a encenação estridente, o artificialismo da reconstrução histórica evidente. Há demasiado estúdio, mesmo quando é a verdadeira Notre-Dame que está presente. O argumento, que tem a garantia de dois nomes, Jean Aurenche e Jacques Prévert, sobretudo o deste último, funciona relativamente, mas necessitava de uma outra amplitude de concepção. Os intérpretes são bons, Anthony Quinn compõe um Quasimodo que se encaixa como uma luva no seu físico e na sua fisionomia, Gina Lollobrigida é a mais bonita Esmeralda da história, Alain Cuny é uma presença misteriosa e maléfica que peca talvez por uma certa monotonia de composição, é há a curiosidade de se verem aparições curtas de poetas e escritores como Robert Hirsch ou Boris Vian.
No seu cômputo geral, “Notre-Dame de Paris” vê-se sobretudo pela obra donde parte e pela interpretação do duo protagonista. De resto, uma superprodução muito em moda nesta altura (meados dos anos 50), pomposa e pouco convincente.

NOSSA SENHORA DE PARIS
Título original: Notre-Dame de Paris
Realização: Jean Delannoy (França, Itália, 1956); Argumento: Jean Aurenche, Jacques Prévert, (Ben Hecht, não creditado), segundo romance de Victor Hugo; Produção: Raymond Hakim, Robert Hakim; Música: Georges Auric; Fotografia (cor):  Michel Kelber; Montagem: Henri Taverna; Design de produção: René Renoux; Guarda-roupa: Georges K. Benda; Maquilhagem: Louis Bonnemaison, Georges Klein, Huguette LaLaurette, Jean Lalaurette; Coreografia: Léonide Massine; Direcção de Produção: Ludmilla Goulian, Paul Laffargue; Assistentes de realização: Joseph Drimal, Alain Kaminker, Pierre Zimmer; Departamento de arte: Maurice Barnathan; Som: Jacques Carrère; Efeitos especiais: Gérard Cogan; Companhias de produção: Panitalia, Paris Film Productions; Intérpretes: Gina Lollobrigida (Esmeralda), Anthony Quinn (Quasimodo), Jean Danet (Phoebus de Chateaupers), Alain Cuny (Claude Frollo), Robert Hirsch (Pierre Gringoire), Danielle Dumont (Fleur de Lys), Philippe Clay (Clopin Trouillefou), Maurice Sarfati (Jehan Frollo), Jean Tissier (Louis XI), Valentine Tessier (Aloyse de Gondelaurier), Jacques Hilling (Mestre Charmolue), Jacques Dufilho (Guillaume Rousseau), Roger Blin (Mathias Hungadi), Marianne Oswald, Roland Bailly, Piéral, Camille Guérini, Damia, Robert Lombard, Albert Rémy, Hubert de Lapparent, Boris Vian (O Cardela),  Georges Douking, Paul Bonifas, Madeleine Barbulée, Albert Michel, Daniel Emilfork, Doudou Babet, Raymond Bailly, Edmond Beauchamp, Robert Blome, Philippe Chauveau, Arielle Coigney, Yvonne Constant, Christine Darvel, José Davilla, Hugues de Bagratide, Germaine Delbat, Jenny Doria, Van Doude, Jean-Pierre Dréan, Pierre Duverger, Pierre Fresnay (narrador), Claude Ivry, Dominique Marcas, Jean Martin, Franck Maurice, Robert Rietty, María Riquelme, Louisette Rousseau, Nadine Tallier, Jean Thielment, Françoise Vallery; Duração: 115 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Estevez; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 19 de Abril de 1957.


GINA LOLLOBRIGIDA (1927 - ?)
Luigina Lollobrigida nasceu em Subiaco, Itália, a 4 de Julho de 1927, contando presentemente 87 anos de idade. Filha de um fabricante de móveis, com três irmãs (Giuliana, Maria e Fernanda), Luigina Lollobrigida passou a juventude na aldeia natal. Durante a II Guerra Mundial, o negócio da família foi destruído durante um bombardeamento e resolveram todos mudar-se para Roma, onde a jovem Lollo (como passaria a ser conhecida depois de famosa) estudou arte, pintura e escultura, a sua primeira vocação. Por essa altura começou igualmente a fazer-se notar como modelo, figurante de filmes e participante em concursos de beleza. Em 1947, ficou em terceiro lugar no concurso de Miss Itália. Nesse ano, Lucia Bosé ganhou, Gianna Maria Canale ficou em segundo lugar, Eleonora Rossi Drago foi desqualificada por ser casada e mãe, e Lollobrigida teve um forte impulso na sua carreira com esta participação. Consta que o célebre milionário norte-americano Howard Hughes a viu e voou de Hollywood para Itália, querendo levá-la para os EUA, mas sem resultados. Permaneceu no seu país e em 1949 casou com um médico esloveno, Milko Škofič, de quem viria a ter um filho, Andrea Milko, acabando por se divorciar em 1971.
Howard Hughes não desarmou e levou-a mesmo a Hollywood, em 1950, instalando-a no Town House de Wilshire Boulevard, mas a experiência não vingou, pois Lollobrigida na altura falava mal o inglês, além de se “sentir continuamente vigiada” pelo milionário. Em Itália, de novo, trabalhou com realizadores como Luigi Zampa e Alberto Lattuada e chamou definitivamente a atenção mundial em grandes sucessos de bilheteira, como “Pan, Amor y Fantasía”, de Luigi Comencini, ao lado de Vittorio de Sica, ou “Fanfan la Tulipe”, de Christian-Jacque, tedo como parceiro Gerard Philipe. Hollywood haveria de chegar e de forma fulgurante, em “Beat the Devil”, de John Huston, num elenco com Humphrey Bogart e Jennifer Jones (1953). Passou a ser considerada “a mulher mais bela do mundo” (que era também título de um filme, com que ganhou o primeiro David de Donatello, instituído nesse ano pela Academia de Cinema Italiana). É o seu período de ouro no cinema internacional, com interpretações em obras de grande projecção junto das plateias mundiais: “Trapézio” (1956), “Nossa Senhora de Paris”, “Salomão e a Rainha do Sabá”, Never So Few, “A Lei”, Cuando llegue septiembre (com o qual ganhou um Globo de Ouro), Strange Bedfellows “Vénus Imperial” (novo David de Donatello), “Mulher de Palha”, “Hotel Paradiso”, “Cervantes”, “Boa Noite, Senhora Campbell” (terceiro David de Donatello). Em 1972, participou na série televisiva As Aventuras de Pinocho, de Luigi Comencini, mas a sua aura começou a diminuir. Afastou-se tanto do cinema como da televisão, e dedicou-se à fotografia e à escultura. Realizou dois documentários de curta-metragem, “Le Filippine” e “Ritratto di Fidel”, este último com base em entrevistas pessoais com Fidel Castro. Fotografou, entre outras personalidades, Paul Newman, Audrey Hepburn, Salvador Dalí e a selecção de futebol da RFA. Em 1973, publicou um álbum, “Italia Mia”. Ainda regressou à televisão, em 1984, em excelente forma física, dançando a tarantela, em “Falcon Crest”, com que foi nomeada para um Globo de Ouro. Em 1996, foi-lhe atribuído um David de Donatello pela sua carreira dedicada ao cinema. Dez anos depois, voltaria a ser distinguida. Em Outubro de 1999, Gina Lollobrigida foi nomeada Embaixadora de Boa Vontade da ONU para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Nos últimos anos, tem sido notícia, por um roubo de jóias, uma tentativa falhada de casamento com um empresário espanhol que a procurou aldrabar, e por algumas entrevistas explosivas (“toda a minha vida tive demasiados amantes”).


Filmografia
Como actriz / cinema: 1946: Aquila Nera (Águia Negra), de Riccardo Freda; Lucia di Lammermoor, de Piero Ballerini; 1947: L'Elisir d'Amore (O Elixir do Amor), de Mario Costa; Il Delitto di Giovanni Episcopo (A História do Meu Crime), de Alberto Lattuada; Il Segreto di Don Giovanni (O Segredo de D. João), de Camillo Mastrocinque; A Man About the House (A Casa da Cobiça), de Leslie Arliss; 1948: Follie per l'Opera (Folias na Ópera), de Mario Costa; Pagliacci (Os Palhaços), de Mario Costa; 1949: Campane a Martelo (Toque a Rebate), de Luigi Zampa; La Sposa non può Attendere (A Minha Noiva Não Pode Esperar), de Gianni Franciolini; 1950: Miss Italia (Miss Itália), de Duilio Coletti; Cuori senza fronteire (A Linha Branca), de Luigi Zampa; Alina (Alina, uma Mulher Contrabandista), de Giorgio Pàstina; Vita da Cani (Vida de Cão), de Mario Monicelli e Steno; 1951: La Città si Difende (A Cidade Defende-se), de Pietro Germi; Enrico Caruso (Enrico Caruso), de Giacomo Gentilomo; A Tale of Five Cities, de Romolo Marcellini (Rome, com Lollobrigida), Emil E. Reinert (Paris), Wolfgang Staudte (Berlin), Montgomery Tully (London), Géza von Cziffra (Vienna) e Irma von Cube; Achtung! Banditi!, de Carlo Lizzani; Amor non ho... però... però (Amor de Gina), de Giorgio Bianchi; 1952: Moglie per una Notte, de Mario Camerin; Fanfan la Tulipe, de Christian-Jaque;Altri tempi - Zibaldone n. 1 (Outros Tempos), de Alessandro Blasetti; Les Belles de Nuit ou Le belle della notte (O Vagabundo dos Sonhos), de René Clair; 1953: Le Infedeli (Paineis da Vida), de Mario Monicelli e Steno; La Provinciale (A Provinciana), de Mario Soldati; Pane, Amore e Fantasia (Pão Amor e Fantasia), de Luigi Comencini; Beat the Devil (O Tesouro de África), de John Huston; 1954: Le Grand Jeu (A Grande Ilusão), de Robert Siodmak; Il maestro di Don Giovanni A Espada e a Mulher), de Milton Krims; La Romana (A Bela Romana), de Luigi Zampa; Pane, amore e gelosia (Pão, Amor e Ciúmes), de Luigi Comencini; 1955: La Donna più Bella del Mondo Amais Bela do Mundo), de Robert Z. Leonard; 1956: Trapeze (Trapézio), de Carol Reed; 1957: Notre Dame de Paris (Nossa Senhora de Paris), de Jean Delannoy; 1958: Anna di Brooklyn (Ana de Brooklin), de Vittorio De Sica e Carlo Lastricati; 1959: La Legge (A Lei), de Jules Dassin; Solomon and Sheba (Salomão e a Rainha do Sabá), de King Vidor; Never So Few (Quando Explodem as Paixões), de John Sturges; 1961: Go Naked in the World (Perdida pelo Mundo), de Ranald MacDougall; Come September (Idílio em Setembro), de Robert Mulligan; 1962: La Bellezza di Ippolita, de Giancarlo Zagni; Venere Imperiale (Vénus Imperial), de Jean Delannoy; 1963: Mare Matto, de Renato Castellani; 1964: Woman of Straw (Mulher de Palha), de Basil Dearden; 1965: Le Bambole (Quatro Casos de Amor), de Mauro Bolognini ("Monsignor Cupido", com Lollobrigida), Luigi Comencini ("Il Trattato di Eugenetica"), Dino Risi ("La Telefonata"), Franco Rossi ("La Minestra"); Strange Bedfellows (Quarto Para Dois), de Melvin Frank; 1966: Io, io, io... e Gli Altri (Eu, Eu, Eu …e os Outros), de Alessandro Blasetti; Hotel Paradiso (Hotel Paraíso), de Peter Glenville; Les Sultans, de Jean Delannoy; Le Piacevoli Notti Notti (Noites de Outro Tempos), de Armando Crispino e Luciano Lucignani; 1967: Cervantes, de Vincent Sherman; La Morte ha Fatto l'Uovo, de Giulio Questi; 1968: The Private Navy of Sgt. O'Farrell (Cerveja para Todos), de Frank Tashlin; Stuntman (Os Duplos do Crime), de Marcello Baldi; Un Bellissimo Novembre (Um Belíssimo Novembro, de Mauro Bolognini; 1968: Buona Sera, Mrs. Campbell (Boa Noite Senhora Campbell), de Melvin Frank; 1971: Bad Man's River (Vamos Ter Sarilho), de Eugenio Martín; 1972: King, Queen, Knave, de Jerzy Skolimowski; 1973: No Encontré Rosas para mi Madre (Rosas Vermelhas), de Rovira-Beleta; 1995: Les Cent et une Nuits de Simon Cinéma, de Agnès Varda; 1997: XXL, de Ariel Zeitoun.
Televisão: 1972: Le avventure di Pinocchio, de Luigi Comencini; 1984: Falcon Crest; 1985: Deceptions, de Robert Chenault e Melville Shavelson; 1986: The Love Boat; 1988: La Romana, de Giuseppe Patroni Griffi; 1996: Una donna in fuga, de Roberto Rocco.

Como realizadora: 1972: Le Filippine e Ritratto di Fidel (curtas metragens documentais).

14 DE JULHO DE 2015


PIQUENIQUE (1955)

Hal Carter (William Holden) viaja à boleia numa carruagem de um comboio de carga e desce numa pequena cidade do Kansas, para visitar um amigo dos tempos da faculdade, Alan Benson (Cliff Robertson). Ambos foram amigos nesse tempo, mas um seguiu os conselhos da família e tornou-se num herdeiro abastado, enquanto o outro anda à deriva em busca da aventura. A cidadezinha é pequena, daquelas onde todos se conhecem, e que prefiguram um microcosmo social que dá para perceber as características da condição humana. Parece ser essa a ideia da peça teatral de William Inge que Daniel Taradash adapta a argumento de cinema e Joshua Logan realiza. Hal Carter começa por ser bem recebido pelas famílias da região. Uma velhota aceita o seu trabalho, e, na casa do lado, Flo Owens (Betty Field) e as duas filhas, a mais velha, Madge Owens (Kim Novak), e a mais nova, Millie Owens (Susan Strasberg), não ficam indiferentes à presença deste estranho. Aliás o tema do “estranho (ou estranha) na cidade” que vem desencadear um conjunto de reacções e precipitar acontecimentos, pondo a descoberto traumas e frustrações recalcadas, é um assunto bastante glosado em literatura, teatro e cinema. No dia seguinte à chegada de Hal, comemora-se o dia do trabalhador, à americana, com piquenique e festança, baile e animação pela noite dentro. Madge Owens, que vai ser eleita a rainha das festividades, está prometida a Alan Benson, mas tudo parece um arranjo de ocasião sem amor de permeio. Já Miss Rosemary Sydney (Rosalind Russell), uma tia solteirona desesperadamente à procura de marido, não despega do tímido e perplexo Howard Bevans (Arthur O'Connell), que ela jurou levar ao altar. As desilusões e o desejo não satisfeito levam Rosemary Sydney ao desespero e a tomar atitudes menos convenientes, numa noite de muito álcool e pouco discernimento. O que acarreta um conjunto de situações que destroem a aparente calma da cidadezinha.


O filme foi rodado em Halstead, no Kansas, bem no centro dos EUA, e Tulsa, no Oklahoma, é um destino de liberdade. O comboio atravessa a cidade e tem Tulsa como meta. Haverá quem parta com esse destino, sem saber o que lhe reserva o futuro, mas com o desejo de precipitar a aventura? Na própria família Owens há um pouco de tudo, a cautelosa mãe, que quer assegurar o futuro da filha mais velha com o casamento com Alan Benson, a filha mais jovem, rebelde e relegada para segundo plano pela beleza da irmã, e Maggie, o centro das atenções, que oscila entre o casamento seguro e a aventura sem garantia alguma. O filme parece jogar nesta última opção, apostando numa paragem de autocarro que pode trazer a felicidade… ou a desilusão. Mas a certeza de não ter perdido a oportunidade.
William Holden é o herói romântico desta história de um dia do trabalhador, e Kim Novak a rainha do cortejo ao longo do rio. Ambos se entendem às mil maravilhas e a cena de baile, numa plataforma erguida sobre as águas do rio, com os balões da festa a iluminar-lhes os olhos, é seguramente das mais belas sequências de sedução da história do cinema. Os olhares, os gestos, as mãos que se agarram, os braços que deslizam, a música que embala, o álcool que enlouquece, a volúpia do ambiente que se torna cada vez mais escaldante, fazem deste momento um instante cinematográfico inesquecível. Joshua Logan foi aqui tocado pela magia e os actores ajudam e de que maneira. Mas se esta dupla é brilhante, não será menos de destacar o casal Rosalind Russell e Arthur O'Connell, que são notáveis, sem a sensualidade dos verdes anos, mas com as agruras do tempo a deixar marcas, mas a permitir o persistir da esperança.
O filme teve seis nomeações para os Oscars de 1956: Melhor Filme (produtor Fred Kohlmar), Melhor Realizador (Joshua Logan), Melhor Actor Secundário (O’Connell), Melhor Montagem (Charles Nelson, William A. Lyon), Melhor Direcção Artística (William Flannery, Jo Mielziner, Robert Priestley) e Melhor Música (George Duning). Ganhou dois: Melhor Montagem e Direcção Artística.

PIQUENIQUE
Título original: Picnic
Realização: Joshua Logan (EUA, 1955); Argumento: Daniel Taradash, segundo peça teatral de William Inge; Produção: Fred Kohlmar; Música: George Duning; Fotografia (cor): James Wong Howe; Montagem: William A. Lyon, Charles Nelson; Design de produção: Jo Mielziner; Direcção artística: William Flannery; Decoração: Robert Priestley; Guarda-roupa: Jean Louis; Maquilhagem: Clay Campbell, Helen Hunt, Robert J. Schiffer; Assistentes de realização: Carter De Haven Jr.; Som: George Cooper, John P. Livadary; Coreografia: Miriam Nelson; Companhia de produção: Columbia Pictures Corporation; Intérpretes: William Holden (Hal Carter), Kim Novak (Madge Owens), Betty Field (Flo Owens), Susan Strasberg (Millie Owens), Cliff Robertson (Alan Benson), Arthur O'Connell (Howard Bevans), Verna Felton  (Helen Potts), Reta Shaw (Irma Kronkite), Rosalind Russell (Miss Rosemary Sydney), Nick Adams, Raymond Bailey, Elizabeth Wilson, Warren Frederick Adams, Carle E. Baker, George E. Bemis, Steve Benton, Harold A. Beyer, Paul R. Cochran, Adlai Zeph Fisher, Don C. Harvey, Flomanita Jackson, Shirley Knight, Phyllis Newman, Henry Pagueo, Harry Sherman Schall, Floyd Steinbeck, Wayne R. Sullivan, Henry P. Watson, Abraham Weinlood, etc. Duração: 115 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 5 de Abril de 1956.


KIM NOVAK (1933- )
Kim Novak não tem uma filmografia extensa, afirma que apareceu no cinema por acaso, mas deixa o seu lugar bem marcado na história da sétima arte. Desde logo por ser uma das musas louras de Htchcock, que a dirige naquele que hoje é considerado por alguns o melhor filme de sempre, “A Mulher que Viveu Duas Vezes” (Vertigo). É dela igualmente uma das cenas românticas mais sensuais do cinema, uma noite de baile em “Piquenique”. Mas há muito mais a recordar desta actriz lindíssima que foi igualmente uma das preferidas de Richard Quine (com quem chegou a viver, nos anos 60, e com quem rodou “Tentação Loira”, “Sortilégio de Amor”, “Um Estranho na Minha Vida, ou “Notável Senhoria”). 
Marilyn Pauline Novak, mais conhecida por Kim Novak, nasceu em Chicago, Illinois, EUA, no dia 13 de Fevereiro de 1933, contando agora 82 anos. De origem checa, os pais tinham sido professores, mas ela nunca foi uma boa estudante. Por isso, quando acabou os estudos secundários, passou por vários ofícios, desde ascensorista a empregada de loja e ajudante de dentista, mas foi como modelo de moda jovem que melhor se sentiu. Ingressa mesmo numa escola de modelos, após o que viaja para Los Angeles, onde lhe oferecem pequenos papéis na RKO e depois na Columbia. Como se chamava Marilyn, mudou o nome para se distanciar de Marilyn Monroe, mas manteve Novak. Em 1954, aparece em “Pushover”, ao lado de Fred MacMurray, num curto papel que chamou a atenção. Tornou-se muito popular e começaram a surgir grandes trabalhos, como “Picnic”, fazendo par com William Holden, sob as ordens de Joshua Logan. Conhece um triunfo em toda a linha. Frank Sinatra é o seu parceiro em “Pal Joey” e “The Man with the Golden Arm”, e James Stewart, em “Vertigo”, de Hitch. Roda “The Amorous Adventures of Moll Flanders”, em 1965, e decide afastar-se uns tempos do cinema. Novak já vivia desiludida com os papéis que então lhe atribuíam. Regressa três anos depois com “The Legend of Lylah Clare”, que foi um fracasso. Os filmes seguintes não lhe agradam e, em 1991, depois de “Liebestraum”, de Mike Figgis, retira-se, dedica-se à pintura e cria cavalos nas herdades no Oregon e na Califórnia. Em 1957, fez greve em protesto contra o salário que recebia na época e mantém fama de rebelde e de difícil ao longo de toda a sua carreira.
Foi casada com o actor Richard Johnson durante um ano (1965-1966) e depois com o médico veterinário Robert Malloy (1976-até ao presente). Foi muito notada uma relação com o actor Michael Brandon (1973-1974), para lá de algumas outras mais (Frank Sinatra, Aly Khan, Ramfis Trujillo, Sammy Davis, Jr….). Possui uma estrela na “Walk of Fame”, localizada perto do nº 6336, em Hollywood Boulevard. Recebeu um Globo de Ouro, como actriz revelação feminina, por “Piquenique” e um BAFTA, para “melhor actriz estrangeira” pelo mesmo filme. Recolheu ainda um Urso de Ouro honorário pela sua contribuição para a 7ª arte no 47º Festival de Cinema de Berlim.


Filmografia
Como Actriz: 1953: The French Line (A Moda Vem de Paris), de Lloyd Bacon; 1954: Pushover (Tentação Loira), de Richard Quine; 1954: Phffft! (Pffft... é o Amor Que Se Evapora), de Mark Robson; 1955: Son of Sinbad (O Filho de Sinbad) de Ted Tetzlaff; 5 Against the House (4 Homens e Uma Mulher), de Phil Karlson; Picnic (Piquenique), de Joshua Logan; The Man with the Golden Arm (O Homem do Braço de Ouro), de Otto Preminger; 1956: The Eddy Duchin Story (Melodia Fascinante), de George Sidney; 1957: Jeanne Eagels (Um Só Amor), de George Sidney; Pal Joey (O Querido Joey), de George Sidney; 1958: Vertigo (A Mulher Que Viveu Duas Vezes), de Alfred Hitchcock; Bell Book and Candle (Sortilégio de Amor),de Richard Quine; 1959: Middle of the Night (A Meio da Noite), de Delbert Mann; 1960: Strangers When We Meet (Um Estranho na Minha Vida), de Richard Quine; Pepe (Pepe), de George Sidney; 1962: The Notorious Landlady (Notável Senhoria) de Richard Quine; Boys' Night Out (Não Brinque com os Maridos), de Michael Gordon; 1964: Of Human Bondage (Servidão Humana), de Bryan Forbes; Kiss Me Stupid (Beija-me, Idiota), de Billy Wilder; 1965: The Amorous Adventures of Moll Flanders (A Vida Amorosa de Moll Flanders), de Terence Young; 1968: The Legend of Lylah Clare (A Lenda de uma Estrela), de Robert Aldrich; 1969: The Great Bank Robbery (Olhos Verdes, Loira e Perigosa), de Hy Averback; 1973: Tales That Witness Madness,  episódio "Luau" (TV); 1973: The Third Girl from the Left, de Peter Medak (TV); 1975: Satan's Triangle, de Sutton Roley (TV); 1977: The White Buffalo (A Carga do Búfalo Branco), de Jack Lee Thompson; 1979: Schöner Gigolo, armer Gigolo (História de um Gigolo), de David Hemmings; 1980: The Mirror Crack'd (Espelho Quebrado), de Guy Hamilton; 1983: Malibu (TV); 1985: Alfred Hitchcock Presents; episódio “Man from the South”; 1987: Es hat mich sehr gefreut, de Mara Mattuschka (curta-metragem); 1986-1987: Falcon Crest (TV); 1987: Es hat mich sehr gefreut (curta-metragem); 1990: The Children, de Tony Palmer; 1991: Liebestraum, de Mike Figgis.

Documentários: 1959: Premier Khrushchev in the USA; 1963: Showman. 

segunda-feira, 6 de julho de 2015

DIA 8 DE JULHO DE 2015





O PECADO MORA AO LADO (1955)

“The Seven Year Itch” tem argumento de Billy Wilder e George Axelrod, partindo de uma peça de George Axelrod, que se baseia num tema muito trabalhado no campo do espectáculo, sobretudo na comédia: a crise dos sete anos num matrimónio. Segundo consta das estatísticas dos psicólogos, as relações no interior de um casamento sofrem períodos de forte quebra de estabilidade, a cada série de sete anos. Chamam-lhe os americanos qualquer coisa como “o desejo intenso dos sete anos”, desejo de novidade, de transgressão. Com esta base, Billy Wilder constrói uma comédia deliciosamente perversa, como só ele sabe fazer.
Abre com um prólogo “histórico” no qual se recordam os costumes que existiam na ilha de Manhattan quando, há 500 anos, esta era habitada por índios que tinham o costume de mandar as mulheres para locais mais frescos, quando o calor ali apertava a partir do início do verão. Elas iam, nem todas, claro, e eles ficavam a trabalhar, isto é, caçar, lançar armadilhas, pescar. Tudo ideias que podem conter um duplo sentido, e que, neste caso, tinham. 500 anos depois, numa estação de caminhos de ferro, os hábitos mantêm-se.
Richard Sherman (Tom Ewell) trabalha numa editora de livros de bolso, onde tem de tornar “atractivos” os clássicos. Colocando, por exemplo, grandes decotes nas capas das “Mulherzinhas”. Para lá disso, está casado há sete anos, com Helen (Evelyn Keyes). Nesse verão tórrido, ela parte para férias com o filho, Ricky, e deixa o marido só, na grande metrópole, entregue ao trabalho (e à tão falada crise dos sete anos). Para cúmulo, quando chega a casa Richard descobre que o andar de cima foi subalugado a um modelo de televisão, que no filme será conhecida apenas por “The Girl”, mas que todos reconhecem ser Marilyn Monroe num dos seus trabalhos míticos, aquele em que ela aparece com uma belíssima saia rodada sobre um dos ventiladores do metropolitano de Nova Iorque, flutuando a saia ao sabor da ventania e do desejo dos observadores (neste caso, o atarantado Richard, e nós, espectadores do filme). A cena foi filmada primeiramente num cruzamento da rua 54 com a Maddison Avenue, ao longo de várias horas, sempre com para cima de cinco mil mirones a rodear o exterior (entre os quais o então marido de Marilyn, Joe Di Maggio, que não suportava os ciúmes e com esta missão acrescentava mais achas à fogueira do próximo divórcio). Tornou-se impossível rodar a cena, que teve de ser repetida em interiores, no estúdio da Fox. Diz-se que todos as americanos esperavam ansiosamente este filme desde que as fotografias desta cena apareceram nos jornais, publicitando a obra. Philip Strassberg, crítico do “New Iork Daily Mirror”, terminava dizendo: “A paciência foi recompensada.”


Voltando ao filme, para agravar as coisas e pôr à prova a pouca resistência do patético Richard, a rapariga perde a chave da porta da rua, deixa cair uma planta (um tomateiro!) no terraço deste, procura desculpar-se, é convidada para um “drink” (diz que desce já, é “só ir buscar o vestido que está a refrescar no congelador”!), e vai ficando para aproveitar a frescura, agora do frigorífico do vizinho (que é sempre melhor que a nossa), desencadeando as mais loucas fantasias em Richard.
O que levanta uma questão muito curiosa: a peça de George Axelrod é um longo monólogo de Richard imaginando fantasias com uma inexistente rapariga, depois de rememorar várias cenas onde se sente o homem mais sexy do planeta que tenta afastar sempre as tentativas violentamente apaixonadas de algumas mulheres por si seduzidas (o que o leva a inventar mesmo uma réplica da célebre cena da praia de “Até à Eternidade”). No filme de Billy Wilder, porém, a presença de Marilyn Monroe é tão obsidiante que se torna o centro de atenção do filme, tornando Richard um espectador apenas. Truffaut vai mais longe e compara esta bela comédia de Billy Wilder a um documentário sobre Marilyn. Marilyn, o objecto do desejo.

O PECADO MORA AO LADO
Título original: The Seven Year Itch
Realização: Billy Wilder (EUA, 1955); Argumento: Billy Wilder & George Axelrod, segundo peça de George Axelrod ("The Seven Year Itch"); Produção: Charles K. Feldman, Doane Harrison, Billy Wilder; Música: Alfred Newman, Sergei Rachmaninov ("Second Piano Concerto"); Fotografia (cor): Milton R. Krasner; Montagem: Hugh S. Fowler; Direcção artística: George W. Davis, Lyle R. Wheeler; Decoração: Stuart A. Reiss, Walter M. Scott; Guarda-roupa: Travilla; Maquilhagem: Ben Nye, Helen Turpin, Allan Snyder; Direcção de produção: A.F. Erickson, Saul Wurtzel; Assistentes de realização: Joseph E. Rickards; Som: Harry M. Leonard, E. Clayton Ward; Efeitos Especiais: Ray Kellogg; Genérico: Saul Bass; Companhias de produção: Charles K. Feldman Group, Twentieth Century Fox Film Corporation; Intérpretes: Marilyn Monroe (a rapariga), Tom Ewell (Richard Sherman), Evelyn Keyes (Helen Sherman), Sonny Tufts (Tom MacKenzie), Robert Strauss (Mr. Kruhulik), Oskar Homolka (Dr. Brubaker), Marguerite Chapman (Miss Morris), Victor Moore, Roxanne (Dolores Rosedale), Donald MacBride, Carolyn Jones, Butch Bernard, Dorothy Ford, Kathleen Freeman, Ralph Littlefield, Doro Merande, Ron Nyman, Ralph Sanford, Mary Young, etc. ; Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: Distribuição em Portugal: Fox Filmes.; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 6 de Fevereiro de 1956.


MARILYN MONROE (1926-1962)
Falar de Marilyn Monroe é tarefa quase impossível no que diz respeito à sua biografia. Se a sua morte está ainda hoje envolta num manto de opaca dúvida (seria suicídio ou assassinato?), tudo o mais se rege pelos mesmos princípios. Nada é certo na sua vida e quase apetece perguntar se Marilyn existiu realmente. Há os seus filmes, uma das poucas realidades palpáveis e definitivas, mas, quanto ao resto, cada biografia aponta num sentido, refuta as outras, acrescenta um ponto. Uma afirma que foi o marido da melhor amiga da mãe que a viola aos nove anos, outra que foi aos catorze um Zé-ninguém, o primeiro marido garante que casou com ela virgem. Mas há quem diga que tudo principiou aos seis anos. E que aos dois a tentaram matar, asfixiando-a com um travesseiro. Uns afirmam que o primeiro contrato com a Fox foi celebrado em Junho, um outro em Agosto, e há também quem garanta que foi em Setembro, coincidindo todos no ano, 1946, mas divergindo nas importâncias: um contrato que valia para uns 125 dólares, para outros 75… Há quem diga que foi o agente Hyde que a lançou, outros afiançam que ele nada teve a ver com o facto. Enfim, restam os filmes, as fotos, e a lenda. A lenda que por vezes é mais forte que a verdade, como dizia o director do jornal do filme de John Ford, “O Homem que Matou Liberty Valance”: “Quando a lenda é mais forte que a História, imprime-se a lenda!”
No controverso plano da biografia de Marilyn Monroe, a ideia não foi optar pela lenda, mas tentar tecer um conjunto de factos plausíveis, retirados de várias biografias manuseadas. A maioria delas não possui qualquer credibilidade. E mesmo as mais credíveis, assinadas por nomes como Norman Mailer ou Arthur Miller, são textos com muito de subjectivo e, nalguns casos, obviamente tendenciosos. Resta-nos tentar uma aproximação possível da vida de Marilyn, com todas as inexactidões e erros prováveis, e falar sobretudo do mais importante, o que permanece para lá da morte, a lenda, o mito, e os filmes.
De nome de baptismo chamava-se Norma Jean Mortensen, mas começou por ser conhecida por Norma Jean Baker. Nasceu a 1 de Junho de 1926, no Los Angeles General Hospital, em Los Angeles, Califórnia, EUA, e teve uma infância difícil. A mãe, Gladys Baker Monroe, chegou a trabalhar no cinema, como montadora de negativo, teve problemas psiquiátricos, esteve presa várias vezes e vivia permanentemente em condições de quase penúria extrema. Morreu num asilo psiquiátrico, com o diagnóstico de esquizofrénica-paranóica, e há quem diga que matara com uma facada, a melhor amiga, Grace McKee. A mesma cujo marido terá abusado sexualmente de Norma Jean, quando esta tinha apenas nove anos. As recordações de infância não poderiam, no entanto, ser mais dramáticas.
Já a avó materna fora internada num hospício depois de ter tentado sufocar a neta com um travesseiro. Do pai, Norma Jean pouco soube e nenhuma certeza teve. Há quem fale num tal Edward Mortensen, que garantem ter sido padeiro e que morrera vítima de um acidente de viação, antes de Marilyn nascer. Mas um outro biógrafo afirma que este mesmo Mortensen morreu aos 81 anos, em Riverside, de um ataque de coração. Há quem afirme, todavia, que o pai era um amigo desse Edward, colega da mãe na Consolidated Film Industries, e que se chamava Charles Stanley Gifford. Quando o tentou encontrar, ainda no início da sua carreira, este mandou dizer pelo telefone que se tinha alguma reclamação a apresentar se dirigisse ao seu advogado. Mais tarde, no auge da sua fama, Gifford tentou a aproximação, mas Norma Jean recordou-lhe então esta conversa.
Atendendo à instabilidade emocional da mãe, e ao facto de esta ser mãe solteira, Norma Jeane foi para casa de uma família adoptiva, a do muito religioso (fundamentalista!) casal Albert e Ida Bolender. Foi aqui que viveu os primeiros sete anos da sua vida: “Eram terrivelmente severos… não era por mal… era a sua religião. Educaram-me com muita severidade.” Mas à severidade de uns correspondia a depravação de outros. Em Outubro de 1933, com as finanças mais equilibradas, Gladys passa a viver por algum tempo com a filha Norma Jean. Em Setembro de 1935, com nove anos de idade, depois de ter sido (novamente?) violada (fala-se de um enigmático Mr. Kimmell, que poderia ter sido o actor inglês Murray Kinnell), foi para um orfanato, o Los Angeles Orphan’s Home, onde permaneceu até Junho de 1937, em condições, relatadas por ela, dignas de um romance de Dickens. Jura que teve de lavar quantidades enormes de louça e se banhava em água suja, apanhava surras com escovas de cabelo e vivia infeliz: “Nessa altura, o mundo à minha volta era deprimente. Tive de aprender a fingir para… não sei… afastar a tristeza. O mundo todo parecia que me estava fechado… (Sentia-me) de fora de tudo e a única coisa que eu podia fazer era sonhar uma espécie de mundo de faz-de-conta.”
Em Setembro de 1941, Norma Jean, depois de várias outras peripécias, estava a viver com Grace McKee que a encorajou a casar com o jovem Jim Dougherty, cinco anos mais velho do que ela. Casaram no dia 19 de Junho de 1942: “Grace McKee arranjou-me o casamento, eu não tive alternativa. Não há muito a dizer acerca disso. Eles não me podiam sustentar e tinham que arranjar qualquer coisa. E foi assim que me casei”. Compreende-se que, com apenas 16 anos, Norma Jean se case com Jimmy Dougherty, um jovem de 21 anos que conheceu quando trabalhava na Rádio Plane, em Van Nuys, Califórnia, uma fábrica de construção de aeronaves. O casamento funcionou como uma forma de libertação, um escape. De pouca duração. Dougherty alistou-se na Marinha em 1943 e, no ano seguinte, foi enviado para a frente da batalha. Ela ficou. Divorciaram-se em Junho (ou Setembro?) de 1946. Antes, em 1944, Marilyn foi fotografada na fábrica de material militar por David Conover um repórter fotográfico. O Exército encomendara as fotos com o intuito de divulgar o papel e a contribuição das mulheres durante a guerra. O fotógrafo, que havia sido enviado nessa missão pelo capitão Ronald Reagen, pediu permissão para fazer mais fotos e Marilyn dava início à sua carreira de modelo. Emmeline Snively, directora do “Blue Book Modeling Agency” ficou entusiasmada com o que viu e contratou-a como modelo. Cinco dólares por hora. A primeira capa foi a de “Family Circle”, aparecida a 26 de Abril de 1946. No ano seguinte, a beleza de Norma Jean tornou-se imensamente popular, sendo capa de 33 das revistas mais famosas. Entretanto, deixara o trabalho na fábrica e assume a tempo inteiro uma carreira de modelo. O seu fito é, no entanto, chegar ao cinema.


O sucesso como modelo fotográfico leva a 20th Century-Fox a contratá-la no dia 26 de Agosto de 1946 (admitamos como certa esta data!). Foi Howard Hughes quem a notou antes e lhe propôs uns testes. Zanuck, o patrão da Fox, não estava muito inclinado sequer para o teste, mas quando o viu ficou entusiasmado e Marilyn assina um contrato de 75 dólares por semana (admitamos como certa esta importância!). Billy Wilder, mais tarde, diria que Zanuck ficou particularmente tentado pelo “impacto sensual”, e acrescentou: “Há raparigas que têm uma pele que parece viver na fotografia. Temos a impressão de que as podemos tocar.” Norma Jean era uma delas. Pouco depois, e por sugestão da Fox (dizem que por sugestão de Bent Lyon), Norma Jean começou a assinar o nome Marilyn Monroe. Monroe vem da sua mãe e Marilyn da actriz Marilyn Miller. A primeira aparição de Marilyn foi numa pequena cena, em 1947, no filme "The Shocking Miss Pilgrim". Seguiu-se-lhe “Scudda Hoo! Scudda Hay!” onde a sua contribuição a nível de diálogo se resumia a um “Hi!”, ainda assim cortado na montagem definitiva. “Dangerous Years” mostra-a num grande plano, o que não foi suficiente para a Fox manter o contrato. Dispensada, foi para a Columbia, em cujo primeiro filme, “Ladies of the Chorus”, interpreta a personagem secundaríssima da “strip-teaseuse” Peggy Martin, que canta a famosa canção “Every Baby Needs a Da-Da-Daddy”. Mas também a Columbia não ficou entusiasmada com o concurso de Marilyn, e foi de novo dispensada, depois de algumas outras curtas aparições. Voltou a trabalhar como modelo, até que respondeu a um anúncio para um papel num filme que seria o último dos Irmãos Marx: “Love Happy”. Ela recorda o episódio: “Éramos três e Groucho pedia a cada uma para dar alguns passos à sua frente. Eu fui a única que ele pediu para recomeçar, segredando-me antes ao ouvido: “Tu tens o mais belo rabo da profissão!” Era um cumprimento, não uma grosseria.” Uma cena de minuto e meio, e foi tudo. Continuou a representar pequenos papéis, mas surge então (1949) uma personagem que irá ter algum significado na vida de Marilyn, Johnny Hyde, agente da William Morris Agency e rapidamente seu amante, que encontra numa recepção em Palm Springs e que se mostra entusiasmado com o futuro da prometedora actriz. Hyde está profundamente apaixonado por Marilyn, propõe-lhe casamento. Ela recusa, apesar da fortuna que poderia herdar rapidamente. Hyde estava gravemente doente do coração, explica-lhe que terá pouco tempo de vida, mas Marilyn confessa-lhe que “tem muita afeição por ele, que o acha um homem delicado, meigo, brilhante, um amigo querido, mas que não está apaixonada.” A família do defunto pede-lhe para não ir ao enterro. Mas ela vai. É ainda em 1949 que Marilyn aceita posar nua para um calendário, facto que mais tarde irá acarretar inúmeras críticas e contestação, quando a actriz era já uma vedeta, o que lhe valeu uma réplica célebre: “Hollywood é um lugar onde te pagam mil dólares por um beijo e cinquenta cêntimos pela tua alma.” Na verdade, a foto de Tom Kelley deu-lhe 50 dólares a ganhar e conseguiu um lucro de mais de 750.000.
Foi Johnny Hyde quem, em 1950, chamou a atenção do realizador John Huston para Marilyn. Ele viu uma das suas “aparições” no ecrã e resolve dar-lhe uma oportunidade de maior relevo em "Asphalt Jungle", depois de um teste lendário: Marilyn aparece com os peitos reforçados por “kleenexs” para causar melhor impressão, John Huston, ele próprio, alivia-a desses apêndices e diz-lhe para ela “passar o texto”. Marilyn pede para se deitar no chão, pois a cena seria passada numa cama, e não se cansa de repetir a “deixa”. Será Huston a mandá-la calar, dizendo “Basta, o papel é teu. Aparece segunda-feira no estúdio às nove horas.” Será a “sobrinha” de Louis Calhern, um advogado corrupto num grupo de “gansgters”, que ela atraiçoa, neste “filme negro” que se tornou um clássico do género.
Esta obra abre-lhe as portas para novas oportunidades, cada vez mais influentes. O seu desempenho em "All About Eve", também em 1950, gerou alguma notoriedade, e ficou a dever-se ao facto de Joseph L. Mankiewicz a ter visto em “Quando a Cidade Dorme”. Nesta obra-prima que aborda o universo do cinema, Marilyn é uma jovem estudante de arte dramática e aparece ao lado de nomes consagrados como os de Bette Davis, Anne Baxter, George Sanders, Gary Merrill ou Celeste Holm. Quem a viu nos primeiros dias de filmagens percebeu o terror em que a mesma vivia. Chegava com horas de atraso ao estúdio, não conseguia fixar uma linha de texto, obrigava cada plano a ser filmado para cima de vinte vezes. Seria o início de um longo calvário (que se iria prolongar nos mesmos termos até ao fim da sua carreira) para os realizadores, produtores e colegas actores que consigo contracenavam, mas seria igualmente um pesadelo para a própria Marilyn, vítima da insegurança e da fragilidade psicológica de uma Norma Jean nunca amada, nunca desejada como pessoa, apenas cobiçada como corpo erótico para satisfação de sonhos de homens (e mulheres) que viam nela apenas um objecto sexual facilmente descartável depois de utilizado.


Toda a vida de Marilyn parece evoluir entre duas realidades psicológicas contraditórias: por um lado a necessidade de ser desejada a todo o preço, de se sentir cortejada, adulada, nem que para tal se tenha de converter num mero “sex symbol” de uma geração (ou de várias); por outro lado a imperiosa exigência de romper com esse estatuto de mulher-brinquedo, loura e desmiolada, apenas desejada pelo seu busto, o seu andar, a generosidade da sua sensualidade explosiva. Neste caso, Marilyn pretendia acima de tudo ser olhada como mulher, como actriz, como alguém que pensa e sente, que lê bons livros e é capaz de ser amada por um dos mais prestigiados escritores norte-americanos do seu tempo (Arthur Miller, vítima de perseguições durante o “machartismo”, e a quem Marilyn soube apoiar nos momentos de crise), ou pelos presidenciáveis Kennedys. Esta duplicidade de desejo nunca resolvida, este esboço de esquizofrenia latente, ficou marcada no seu corpo pelas mãos dos mais importantes homens da América, desde presidentes a escritores, de produtores a cantores, de actores a realizadores, de agentes a multimilionários.
Marilyn queria ser a um tempo “maravilhosa” e/ou “apenas uma mulher” e uma “boa actriz”. O espantoso, porém, e talvez seja essa a razão maior da criação de um mito que nada irá apagar nunca, é a permanência de uma inocência inatacável no seu olhar, a fragilidade doce e etéreo de um corpo que todos desejam e ninguém parece macular. Para lá de todas as feridas que os anos vão acumulando, a sua pele continua “a apetecer ser tocada”, tal como uma deusa misteriosa de desígnios insondáveis. O mito nasce.
"Clash By Night", de Fritz Lang, em 1952, merece igualmente boas referências da crítica. Marilyn conhece Joe DiMaggio no início de 1952, ela tem 25 anos, ele 37. DiMaggio tinha-se retirado do basebol norte-americano, concluindo uma carreira de astro. Há tempos que manifestara o desejo de conhecer a sua actriz preferida e em Fevereiro desse ano o romance explode nas páginas das revistas. “Fiquei surpreendida por me apaixonar de tal maneira por Joe, disse Marilyn. Esperava que ele fosse do género do desportista flamejante de Nova Iorque, e em vez disso deparei com um tipo reservado que não se atirou a mim logo imediatamente. Joe é um homem muito decente que faz as outras pessoas sentirem-se decentes também.” 1952 marca ainda pontos na carreira cinematográfica de Marilyn, que filma "Niagara", de Henry Hathaway, com Joseph Cotten, uma obra que ajuda a consolidar o seu estatuto de vedeta. "Gentlemen Prefer Blondes", de Howard Hawks, é o título seguinte, que a reúne a Jane Russell. Ambas irão assinar e deixar as marcas de mãos e pés no cimento que fica no passeio frente ao Chinese Theatre, em Hollywood Boulevard. Este tinha sido o local que Marilyn havia visitado quando criança, acompanhada pela mãe e pela amiga Grace. Tinha sido ali que havia jurado a si própria: “Quero ser uma grande estrela para lá de tudo o resto!" Conseguira-o. Em 14 de Janeiro de 1954, Marilyn casa-se pela segunda vez, desta feita com Joe DiMaggio. Apenas nove meses depois, a 27 de Outubro de 1954, divorciaram-se. O advogado de Marilyn explicou, em conferência de imprensa, que o motivo da separação foi “um conflito entre de carreiras”. Ou apenas mais um equivoco.
A celebridade da actriz é total e isso mesmo fica demonstrado na visita que Marilyn Monroe faz às tropas americanas deslocadas na Coreia. São 60.000 mil militares em estado de completa euforia que a recebem em apoteose. Após participar em vários filmes como apenas mais um belo rosto de Hollywood, Marilyn Monroe estava pronta para transformar a sua imagem através de uma séria actuação profissional. Queria deixar os papéis de tontinha e interpretar Dostoievski. Em 1956, Marilyn parte para Nova Iorque e dá início aos seus estudos sob a direcção de Lee Strasberg, no Actors Studio, uma casa que formara Marlon Brando, James Dean ou Paul Newman, entre tantos outros. Nesse mesmo ano, junto com o fotógrafo Milton Greene, Marilyn lançou a “Marilyn Monroe Productions”, uma produtora que irá intervir na concretização de alguns projectos futuros, como "Bus Stop", de Joshua Logan, (1956) e "The Prince and the Showgirl", de Laurence Olivier (1957). Em ambos os filmes ficam documentados os progressos da actriz em importantes papéis que exigem mais do que um rosto bonito e um corpo escultural. Em Londres, com Laurence Olivier como actor e realizador, Marilyn protagoniza um dos episódios mais desequilibrados da sua carreira, chegando sempre ao estúdio fora de horas e provocando a ira de Olivier. Tudo indica que será a partir desta época que a sua instabilidade psicológica se agrava.No dia 29 de Junho de 1956, depois de vários casos sentimentais, amplamente testemunhados pela imprensa de coração de todo o mundo, Marilyn Monroe casa com o dramaturgo Arthur Miller.
Entretanto, Billy Wilder, outro dos grandes cineastas norte-americanos, ainda que de origem europeia (austríaco), o que lhe confere um tipo de humor diferente, mais adulto e cínico, dirige Marilyn em duas das suas melhores comédias, “The Seven Year Itch” (1955) e, sobretudo, “Some Like it Hot” (1959). Em 1960, outro mestre americano, George Cukor realiza “Let’s Make Love”, onde Marilyn contracena com Yves Montand e nova situação explosiva se insinua durante a rodagem. A proximidade de Montand e Monroe não deixa ninguém indiferente, a começar pelos próprios. Durante as filmagens, Arthur Miller parte subitamente para o Nevada, deixando o par de actores entregue ao seu romance. Explosivo. Yves Montand, acabado o filme, regressa a Paris e à sua mulher, a actriz Simone Signoret. Marilyn sofre novo abalo.
O filme "The Misfits", último trabalho terminado da actriz, é escrito propositadamente por Miller para Marilyn, colocando-a ao lado de Clark Gable, que desde a infância, era o seu actor preferido e o homem que ela gostaria de ter tido como pai, ou algo mais. Tudo indica que Marilyn teria um problema edipiano mal resolvido, e toda a sua vida emocional e sexual parece ser uma longa procura do pai que nunca teve. Não será necessário ser um psiquiatra muito atento para inferir desta vida consumida em excessos uma conclusão destas. Um conjunto invulgar de episódios trágicos marca “Os Inadaptados”, que mantinha constantemente em estúdio, durante as filmagens, médicos para acompanharem quer Marilyn Monroe quer Montgomery Clift. Em Agosto de 1960, Marilyn é hospitalizada e as filmagens suspensas. Retomadas pouco depois, são concluídas em 4 de Novembro. A 11 do mesmo mês anuncia-se a separação de Marilyn e Miller e, a 16, Clark Gable morre vítima de um ataque cardíaco. Marilyn é acusada por Kay Gable, mulher do actor, de ter sido a causa da sua morte. O casamento entre Miller e Marilyn teve fim com o divórcio de 20 de Janeiro de 1961. Em Fevereiro, Marilyn tenta suicidar-se atirando-se de uma janela, mas fracassa nos seus intentos, sendo internada novamente numa clínica psiquiátrica de Nova Iorque. A dependência de drogas e do álcool acentua-se dramaticamente.
Em 1962, Marilyn foi considerada a estrela mais popular do mundo ("World's Most Popular Star"), demostrando a sua fama e o reconhecimento internacional. No dia 5 de Agosto do mesmo ano, com apenas 36 anos de idade, Marilyn Monroe morreu enquanto dormia, na sua casa de Brentwood, Califórnia. Tinha o telefone a seu lado. Uma dose excessiva de barbitúricos foi a causa apontada na autópsia. Mas a sua morte continua envolta em mistério. Fala-se em assassinato. O seu romance com os Kennedys vem à baila. O envolvimento com John F. Kennedy iniciara-se em finais de 1961. Na gala da celebração do aniversário do Presidente, no Madison Square Garden, a 6 de Maio de 1962, Marilyn canta o famoso "Happy Birthday To Mr. Presidente.” Também Bobby Kennedy ficou ligado a Marilyn com a suspeita de um “affair” numa data já muito próxima da sua morte. Por tudo isto, há quem fale de um silenciamento para impedir a revelação de algo comprometedor para alguém envolvido emocional e sexualmente com a actriz. O seu corpo foi sepultado no Westwood Memorial Park, em Los Angeles, Corridor of Memories, 24. Deixou atrás de si trinta filmes, entre os quais um, inacabado, "Something's Got to Give". “Sei que pertenço ao público e ao mundo, não porque seja especialmente talentosa e bela, mas porque nunca pertenci a nada ou ninguém mais.”



Filmografia:

Como actriz: 1947: The Shocking Miss Pilgrim (Sua Alteza a Secretária), de George Seaton; Dangerous Years, de Arthur Pierson; 1948: Scudda Hoo! Scudda Hay! ou Summer Lightning (Encanto da Mocidade), de F. Hugh Herbert; Ladies of the Chorus, de Phil Karlson; 1950: Love Happy ou Kleptomaniacs (Loucos por Mulheres), de David Miller, Leo McCarey (não creditado); A Ticket to Tomahawk, de Richard Sale; The Asphalt Jungle (Quando a Cidade Dorme), de John Huston; All About Eve (Eva), de Joseph L. Mankiewicz; The Fireball ou The Challenge, de Tay Garnett; Right Cross (Por um Amor), de John Sturges; 1951: Home Town Story, de Arthur Pierson; As Young as You Feel (Tão Jovem Quanto Possível), de Harmon Jones (TV); Love Nest (Um Ninho de Amor), de Joseph M. Newman (TV); Let's Make It Legal (Reconciliação), de Richard Sale (TV); 1952: Clash by Night (Conflito Nocturno), de Fritz Lang; We're Not Married! (Não Estamos Casados), de Edmund Goulding; Don't Bother to Knock (Os Meus Lábios Queimam), de Roy Ward Baker; Monkey Business (A Culpa Foi do Macaco), de Howard Hawks; O. Henry's Full House (Páginas da Vida), de Henry Hathaway, Howard Hawks, Henry King, Jean Negulesco e Henry Koster (episódio "The Cop and the Anthem", com Marilyn Monroe); 1953: Niagara (Niagara), de Henry Hathaway; Gentlemen Prefer Blondes (Os Homens Preferem as Loiras), de Howard Hawks; How to Marry a Millionaire (Como se Conquista um Milionário), de Jean Negulesco; 1954: River of No Return (Rio sem Regresso), de Otto Preminger e Jean Negulesco (este não creditado); There's No Business Like Show Business (Parada de Estrelas), de Walter Lang; 1955: The Seven Year Itch (O Pecado Mora ao Lado), de Billy Wilder; 1956: Bus Stop (Paragem de Autocarros), de Joshua Logan; 1957: The Prince and the Showgirl (O Príncipe e a Corista), de Laurence Olivier; 1959: Some Like It Hot (Quanto Mais Quente, Melhor), de Billy Wilder; 1960: Let's Make Love ou The Millionaire (Vamo-nos Amar), de George Cukor; 1961: The Misfits (Os Inadaptados), de John Huston; 1962: Something's Got to Give, de George Cukor (inacabado). 

DIA 7 DE JULHO DE 2015


LADRÃO DE CASACA (1955)

Na filmografia de Alfred Hitchcock, “To Catch a Thief” funciona quase como um divertimento. Não tem a densidade dramática, nem a intensidade de suspense, nem a profundidade de análise psicológica das obras maiores do mestre, mas aproxima-se muito do que era para si o cinema, um entretenimento de massas. “Não faço filmes para a crítica, não faço filmes para os produtores, faço filmes para distrair o público”. “Ladrão de Casaca” é uma excelente distracção, e não deve ter sido (e continua a não ser) só para os espectadores, mas também para quem o rodou em exteriores na Riviera Francesa, entre Cannes e Mónaco. Todo o filme reflecte o ambiente de uma contagiante boa disposição, de descontracção, de alegria a que a paisagem e o clima predispunham.
O argumento de John Michael Hayes e Alec Coppel (este não creditado) parte de um romance de David Dodge, que, de certa forma, consciente ou inconscientemente, parece prolongar as aventuras de Arsène Lupin, o sedutor ladrão de jóias que o popular escritor francês Maurice Leblanc imortalizou. Neste caso temos "Robie The Cat" (Cary Grant), outrora célebre ladrão de alta sociedade, agora confessadamente retirado das lides, mas que é obrigado a voltar a trepar aos telhados da Riviera Francesa, desta feita não para penetrar nos hotéis e nos palacetes mais cobiçados pelo seu recheio, mas para tentar surpreender alguém que lhe anda a usurpar os métodos, a indumentária, o objecto dos seus roubos. Claro que a polícia se coloca no seu encalço o que é mais uma razão para o elegante Robie trepar pelas paredes para não ir parar aos calabouços. Entre as muitas possíveis vítimas encontra-se Frances (Grace Kelly), a belíssima americana em viagem de turismo, acompanhada pela mãe, que sente uma profunda atracção por este gatuno de luvas brancas (por acaso são pretas) cuja vida aventurosa a seduz.
Mais uma vez temos alguns temas constantes da filmografia de Hitch, entre eles o falso culpado que tenta defender-se e a bela loura que protagoniza tantas das suas obras, desde Kim Novak, Tippi Hedren, Eva Marie Saint, Janet Leigh, Doris Day, até Ingrid Bergman ou a sua musa de eleição, Grace Kelly, que é não só a interprete de “To Catch a Thief”, como ainda de “Chamada para a Morte” e de “Janela Indiscreta”, que havia sido produzido um ano antes (1954) e que se transformara num dos maiores sucessos da carreira do cineasta, e que se prolonga até hoje. “Ladrão de Casaca” tenta reproduzir o êxito anterior, para tanto mantendo muitos dos colaboradores (desde o argumentista John Michael Hayes que assinara o guião de “Rear Window”, até Robert Burks, o director de fotografia, George Tomasini, o montador, J. McMillan Johnson e Hal Pereira, na direcção artística, Edith Head, no guarda-roupa…) e mantendo um par romântico em que a loura de aparência cândida, mas de comportamento frio e esquivo, era a mesma Grace Kelly, trocando apenas James Stewart por Cary Grant, que mantinham entre si, todavia, características muito semelhantes. O resultado foi igualmente um sucesso de público, mas a crítica torceu um pouco o nariz a este devaneio humorístico de Hitchcock, com muito de comédia sentimental e pouco de suspense de cortar à faca. Sublinhe-se ainda a qualidade dos diálogos, de um humor cheio de duplos sentidos, de uma ironia fina, por vezes deliciosamente “incorrectos” no que deixam subentender.


Mas o filme é mais um hino à beleza deslumbrante daquela que pouco depois seria princesa do Mónaco (e que iria morrer num acidente de viação numa das estradas que ela e Cary Grant percorrem em louca correria neste “Ladrão de Casaca”, precisamente numa das curvas onde o casal de actores pára o seu bólide, para um piquenique) e ao seu excelente partenaire, mas igualmente ao talento de Hitchcock. Por falar nisso, será curioso não esquecer o que o cineasta confessou a François Truffaut sobre os seus gostos pelas mulheres que surgem nos seus filmes: “uma mulher não deve parecer vulgar, nem fazer sobressair os seus encantos a toda a hora. Só as verdadeiras senhoras, que só são putas no quarto, me interessam”. Na verdade, se percorrermos a filmografia de Hitch esta realidade é uma constante: mulheres aparentemente frias, distantes, elegantes, de porte altivo e aristocrático, mas de forte intensidade erótica e sensual que se pressente para lá das aparências. O que mantém o tom da obra num clima de constante troca de sedução entre o retirado ladrão de jóias e a bela milionária que se lhe atravessa no caminho.
Também a paisagem da Côte d’Azur é magnificamente explorada, numa época em que fazia as delícias das plateias americanas e internacionais (veja-se a quantidade de filmes ali rodados por esses anos!) e o desenho das personagens é bem conseguido, furtando-se de alguma forma aos estereótipos, quando não brinca mesmo com eles. Hitch não deixa de ser um autor com rasgos de génio (o seu ódio aos ovos fica aqui bem demonstrado com duas cenas de antologia: a mãe de Frances ao apagar um cigarro na gema de uma ovo estrelado, ou o ovo que é atirado contra "Robie The Cat" e que se esborracha no vidro de uma parede). Também a sequência inicial é muito justamente citada, quando a câmara desce num lento travelling sobre um placard onde se lê “If you love life, you’ll love France”, a que se segue um grito de mulher que descobre o roubo das suas preciosas jóias.
Mas deve ainda referir-se de novo a fotografia de Robert Burks, que ganha o Oscar nesse ano, e que explora devidamente as potencialidades do VistaVision, um processo lançado pela Paramount para competir com o Cinemascope da Warner, que estreara não há muito “A Túnica” com enorme sucesso.

LADRÃO DE CASACA
Título original: To Catch a Thief
Realização: Alfred Hitchcock (EUA, 1955); Argumento: John Michael Hayes, Alec Coppel (não creditado), segundo romance de David Dodge; Produção: Alfred Hitchcock; Música: Lyn Murray; Fotografia (cor): Robert Burks; Montagem: George Tomasini; Direcção artística: J. McMillan Johnson, Hal Pereira; Decoração: Sam Comer, Arthur Krams; Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Wally Westmore; Direcção de Produção: C.O. Erickson; Assistentes de realização: Herbert Coleman, Daniel McCauley; Departamento de arte: Dorothea Holt, Joe Keller, Robert McCrillis; Som: John Cope, Harold Lewis; Efeitos visuais: Farciot Edouart, John P. Fulton; Companhia de produção: Paramount Pictures; Intérpretes: Cary Grant (John Robie), Grace Kelly (Frances Stevens), Jessie Royce Landis (Jessie Stevens), John Williams (H.H. Hughson), Charles Vanel )Bertani), Brigitte Auber (Danielle Foussard), Jean Martinelli (Foussard), Georgette Anys (Germaine), George Adrian, John Alderson, Martha Bamattre, René Blancard, Eugene Borden, Nina Borget, Margaret Brewster, Lewis Charles, Frank Chelland,  Wilson Cornell, Reinie Costello, William 'Wee Willie' Davis, Dominique Davray, Louise De Carlo, Guy De Vestel, Gloria Dee, Kathleen Desmond, Lala Detolly, Dolores Ellsworth, George Ellsworth, Bess Flowers, Russell Gaige, Steven Geray, Art Gilmore, Michael Hadlow, Lars Hensen, Alfred Hitchcock (homem sentado no autocarro, ao lado de John Robie), Gladys Holland, Jean Hébey, Beverly Ruth Jordan, Lorraine Knight, Bela Kovacs, Jeanne Lafayette, Donald Lawton, Eddie Le Baron, Roland Lesaffre, Edward Manouk, Jonathan Marlowe, Jerri McKenna, Don Megowan. Louis Mercier, Alberto Morin, George Nardelli , Paul Newlan, Barry Norton, George Paris, Manuel París, Joan Patti, Leonard Penn, Albert Pollet, Loulette Sablon, Cosmo Sardo, Otto F. Schulze, Lal Singh, Adele St. Mauer, Marie Stoddard, Aimee Torriani, Philip Van Zandt, Geni Whitlow, Phyllis Young, etc. Duração: 106 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Lusomundo Audiovisuais / Paramount; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 12 de Janeiro de 1956.


GRACE KELLY (1929 – 1982)
As aparências iludem, sempre se ouviu dizer, e por vezes são as falsas aparências que motivam as grandes descobertas. Uma mulher pode ser uma pedra de gelo por fora e um vulcão por dentro, pode possuir o comportamento exterior e o estatuto de princesa, mas revelar só aos muito íntimos a fogosidade da sua paixão. Por isso se compreende que que Grace Kelly tenha sido a musa de Hitchcock, que gostava de mulheres assim. Mas não foi só com Hitch que Grace foi princesa antes de o ser. Toda a sua filmografia evoca essa silhueta de “cisne”, essa posse de “alta sociedade”, essa promessa de “para sempre”. Como dizem em linguagem popular, Grace era uma senhora que parecia não partir um prato e que, se calhar, teria partido todo o serviço. Cremos que essa ambiguidade que se adivinhava terá feito grande parte da sua sedução.
Grace Patricia Kelly nasceu a 12 de Novembro de 1929, em Filadélfia, Pensilvânia, EUA, e faleceu a 14 de Setembro de 1982, no Mónaco, vítima de um acidente de automóvel.
De ascendência irlandesa e alemã, era a segunda filha de Jack Kelly e Margaret Katherine Maier, o pai campeão olímpico de remo e a mãe treinadora desportiva. Grace Kelly desde muito nova demonstrou interesse pelo teatro, tendo actuado, ainda quando criança, em várias peças escolares. Estudou na Ravenhill Academy e na Stevens School, onde se licenciou, ambas em Germantown, Pensilvânia. Mudou então para Nova Iorque, para estudar teatro na Academia Americana de Artes Dramáticas. Tendo na família vários parentes que gostavam e praticavam artes cénicas, Grace foi por eles encorajada. Passou a viver no “Barbizon Hotel for Women”, um hotel de prestígio para mulheres endinheiradas, onde era impedida a entrada de homens depois das 22 horas, e começou a trabalhar como modelo para sustentar os seus estudos. A sua estreia nos palcos da Broadway foi em “The Father”, de August Strindberg. O produtor e realizador Delbert Mann, após ver Grace Kelly num dos vários episódios por si interpretados na TV, convida-a a integrar o elenco da produção televisiva “Bethel Merriday”, uma adaptação da obra de Sinclair Lewis, e depois para surgir no filme “Fourteen Hours”, de Henry Hathaway. Foi durante a rodagem desta obra que Gary Cooper a notou, afirmando que ela era "diferente de todas as actrizes” que ele via com frequência. Pouco depois, recebia um convite de Stanley Kramer, que lhe ofereceu o papel principal do filme “High Noon”, de Fred Zinnemann. O filme trouxe-lhe um contrato de oito anos com a MGM. Em 1953, foi convidada por John Ford para “Mogambo”, dado que Gene Tierney desistira do papel. Grace Kelly recebeu um Globo de Ouro na categoria Melhor Actriz Secundária, e uma nomeação ao Oscar na mesma categoria. Em 1954, Alfred Hitchcock chama-a para “Dial M for Murder”, a que se seguem “Rear Window” e “To Catch a Thief”. Grace ficou conhecida como a “Musa de Hitchcock”. Com “The Country Girl”, de George Seaton, ganha o Oscar, e até 1956, data em que abandona o cinema, ainda interpreta “Green Fire”, de Andrew Marton, “The Bridges at Toko-Ri”, de Mark Robson, “The Swan”, de Charles Vidor e “High Society”, de Charles Walters. Pouco depois casa com o Príncipe Rainier do Mónaco, tornando-se assim princesa, muito badalada em revistas de jet set. Teve três filhos, Carolina, Alberto II e Estefânia. Morreu em 1982, num acidente de automóvel, com 52 anos de idade. Está sepultada na Catedral de São Nicolau, na cidade do Mónaco.


Filmografia:

Como actriz: 1948-1954: Kraft Television Theatre (série de TV) – episódios “Old Lady Robbins”, “The Small House”, “The Cricket on the Hearth”, “Boy of Mine” e “The Thankful Heart”; 1950: Somerset Maugham TV Theatre (série de TV) – um episódio; The Clock (série de TV) – episódio “Vengeance”; Big Town (série de TV) – episódio “The Pay-Off”; Actor's Studio (série de TV) - episódios “The Swan”, “The Token”, “The Apple Tree”; Believe It or Not (série de TV) – episódio “The Voice of Obsession”; 1950-1952 Studio One (série de TV) – episódios “The Kill”, “The Rockingham Tea Set”; Lights Out (série de TV) – episódios – “The Borgia Lamp” (1952); “The Devil to Pay” (1950); Danger (série de TV) – episódios – “Prelude to Death2 (1952); “The Sergeant and the Doll” (1950); 1950-1953 The Philco Television Playhouse (série de TV) – episódios “The Way of the Eagle”, “Rich Boy”, “The Sisters”, “Leaf out of a Book”, “Ann Rutledge”, “Bethel Merriday”; 1951: Fourteen Hours (14 Horas), de Henry Hathaway; Nash Airflyte Theatre (série de TV) – episódio “A Kiss for Mr. Lincoln”; The Prudential Family Playhouse (série de TV) - episódio “Berkeley Square” (1951); 1951-1952 Armstrong Circle Theatre (série de TV) – episódios “Recapture”, “City Editor”, “Brand from the Burning”, “Lover's Leap”; 1952: High Noon (O Comboio Apitou Três Vezes), de Fred Zinnemann; Goodyear Television Playhouse (série de TV) – episódio “Leaf Out of a Book”; The Big Build Up (teledramático) – episódio “Don Quixote”; Suspense (série de TV) – episódio “Fifty Beautiful Girls”; Robert Montgomery Presents (série de TV) – episódio “Candles for Theresa”; 1952-1953: Lux Video Theatre (série de TV) – episódios “The Betrayer”, “A Message for Janice”, “Life, Liberty and Orrin Dudley”; 1953: Mogambo (Mogambo), de John Ford; 1954: Dial M for Murder (Chamada para a Morte), de Alfred Hitchcock; 1954: Rear Window (Janela Indiscreta), de Alfred Hitchcock; The Country Girl (Para Sempre), de George Seaton; Green Fire (Tentação Verde) de Andrew Marton; The Bridges at Toko-Ri (As Pontes de Toko-Ri), de Mark Robson; 1955: To Catch a Thief (Ladrão de Casaca), de Alfred Hitchcock; 1956: The Swan (O Cisne), de Charles Vidor; High Society (Alta Sociedade), de Charles Walters.