segunda-feira, 29 de junho de 2015

DIA 1 DE JULHO DE 2015


AS DIABÓLICAS (1955)


Pierre Boileau e Thomas Narcejac são dois dos mais famosos e talentosos autores franceses de policiais. O seu romance "Celle qui n'Était Plus" é uma das suas obras mais conhecidas e admiradas e até Alfred Hitchcock a quis adaptar ao cinema. Só o não fez porque entretanto os autores já tinham vendido os direitos a Henri-Georges Clouzot. Mas Hitchcock não partiu de mãos a abanar e Boileau e Narcejac escreveram para ele o argumento daquele que é hoje considerado (por alguns) o “melhor filme de sempre”, “A Mulher que Viveu Das Vezes” (Vertigo). Daí retiraram igualmente um romance, "D'Entre les Morts".
Pierre Louis Boileau (Paris, 28 de Abril de 1906 - Beaulieu-sur-Mer, 16 de Janeiro de 1989) e Pierre Ayraud, com pseudónimo de Thomas Narcejac (Rochefort-sur-Mer, 3 de Julho de 1908 - Nice, 7 de Junho de 1998), escreveram dezenas de obras policiais, muitas das quais se tornaram clássicos do género. Algumas foram adaptadas ao cinema e à televisão, sendo as mais conhecidas as já citadas, assinadas por Henri-Georges Clouzot e Alfred Hitchcock. Mas eles participaram na escrita de alguns argumentos, como “Les Yeux sans visage” (1960), ou “Pleins Feux sur l'Assassin” (1961), ambos de Georges Franju, e algumas outras obras suas tiveram versões cinematográficas interessantes (nenhuma, porém, com a qualidade de “As Diabólicas” ou de “A Mulher que Viveu Das Vezes”). No cinema podem citar-se, em 1960, “Faces in the Dark”, de David Eady, “Meurtre en 45 tours”, de Étienne Périer; em 1962, “Maléfices”, de Henri Decoin; em 1993, “Entangled”, de Max Fischer, em 1996, “Les Victimes”, de Patrick Grandperret, ou em 2012, “Comme un homme”, de Safy Nebbou. Mas em 1996, surgiu uma nova versão de "Celle qui n'Était Plus", americana, “Diabolique”, realizado por Jeremiah S. Chechik, com Sharon Stone, Isabelle Adjani e Chazz Palminteri.
Quanto a Henri-Georges Clouzot (Niort, 21 de Novembro de 1907 – Paris, 12 de Janeiro de 1977), foi um importante cineasta francês, realizador, argumentista e produtor, autor de obras como “Manon”, “O Corvo”, “O Crime da Avenida Foch”, “O Salário do Medo”, “As Diabólicas”, “O Mistério de Picasso”, “Os Espiões” ou “A Verdade”.


Em 1942, durante a ocupação alemã, o Ministério de Propaganda de Goebbels, criou a produtora Continental-Films, na qual Clouzot se estreou como realizador, com "L'Assassin habite... au 21" (1942), a que se seguiu "Le Corbeau" (1943), que provocou grande polémica, sendo acusado de colaboracionista. Depois da guerra, Clouzot foi marginalizado, mas, através da acção de alguns cineastas que lhe limparam a imagem, voltou à actividade, conseguindo depois o reconhecimento público e da crítica. É um dos três realizadores mundiais (os outros dois são Michelangelo Antonioni e Robert Altman) a ter recebido o Grande Prémio dos três maiores festivais europeus, Cannes, Berlim e Veneza. Foi considerado mestre do suspense, o Hitchcock europeu, e as suas obras ostentam uma complexidade de análise indiscutível, trabalhando o medo, a culpa, a perversidade humana em climas de evidente sordidez moral e em cenários de profunda opressão psicológica. Um apreciador de policiais negros (que leu compulsivamente, quando passou um período da vida na cama, com tuberculose), passou para os seus filmes esse universo de um pessimismo envolvente. Era casado com a actriz brasileira Vera Clouzot e morreu em Paris, em 1977, depois de vários ataques cardíacos que o derrotaram. Para lá de “As Diabólicas”, de que já falámos, outros realizadores pegaram em filmes seus e nos deram outras versões: “A 13ª Carta” (The 13th Letter", 1951), de Otto Preminger (segundo “Le Corbeau”) e “O Comboio do Medo” (Sorcerer, 1977), de William Friedkin (1977) (segundo “Le Salaire de la Peur”) são os mais conhecidos.
“As Diabólicas” passa-se numa pequena comunidade francesa, sendo quase todo rodado no interior e exterior de uma mansão onde funciona um colégio para rapazes. Christina Delassalle (Véra Clouzot) é a proprietária e directora do estabelecimento de ensino que funciona em regime de internato, mas é o marido, Michel Delassalle (Paul Meurisse) quem dirige realmente o empreendimento com mão de ferro, que se estende dos alunos aos professores e se prolonga até à sua amante, Nicole Horner (Simone Signoret), que é igualmente um dos docentes. O colégio vive sob o terror de Michel, que parece ter junto mulher e amante, numa ambígua e inquietante colaboração criminosa. Elas idealizam o crime perfeito para eliminar Michel e põem em andamento o projecto… Mais não se pode dizer num filme que vive particularmente do suspense que se estabelece e do inquérito empreendido por um comissário da polícia reformado, Alfred Fichet (Charles Vanel), persistente e arguto na sua investigação.


O clima do filme é realmente de um pessimismo deprimente, mostrando a degradação e a decadência moral de uma sociedade doente, onde o medo impera (Michel inspira-o no seu colégio, o filme lança-o sobre os espectadores) e o sentimento de culpa, sobretudo por parte de Christina Delassalle não deixa de pesar. Clouzot é definitivamente um moralista que julga as suas personagens e a sociedade e que lança curiosas pistas sobre a ambiguidade das relações entre as duas mulheres e a estranha amizade e cumplicidade que as une. Neste aspecto, as interpretações de Simone Signoret e Véra Clouzot são particularmente brilhantes, o que no caso da primeira foi sobejamente demonstrado ao longo de uma vasta carreira, mas que, quanto a Vera Clouzot, se restringiu a alguns filmes, todos dirigidos pelo marido. Mas “As Diabólicas” conta com um elenco perfeito, com um Paul Meurisse numa composição detestável, e meia dúzia de outros actores franceses em pequenos papéis que tornam especialmente densa a atmosfera claustrofóbica de toda a obra, onde a mesquinhez e o provincianismo mais rasteiro se impõem de forma sufocante.
A realização de Henri-Georges Clouzot, por seu turno, é de um brilhantismo notável, conseguindo criar uma atmosfera de inquietação permanente, que não fica a dever ao melhor Hitchcock. A cena da casa de banho é magnífica, numa toada macabra, onde o humor não deixa de estar presente, podendo mesmo falar-se de um antecedente de “Psico”. A relação que o filme mantém com uma piscina e com as peripécias que e desenrolam à sua volta e no seu interior é igualmente muito bem dada. Mas toda a obra é magistralmente conduzida. Um brilhante thriller.

AS DIABÓLICAS
Título original: Les Diaboliques
Realização: Henri-Georges Clouzot (França, 1955); Argumento: Henri-Georges Clouzot, Jérôme Géronimi, René Masson, Frédéric Grendel, segundo romance de Pierre Boileau e Thomas Narcejac ("Celle qui n'était plus"); Produção: Henri-Georges Clouzot, Georges Lourau; Música: Georges Van Parys; Fotografia (p/b): Armand Thirard; Montagem: Madeleine Gug; Direcção artística: Léon Barsacq; Guarda-roupa:  Carven; Maquilhagem: Anatole Paris, Jeanne Witta; Direcção de Produção: Louis de Masure, Georges Testard; Assistentes de realização: Michel Romanoff; Som: William Robert Sivel; Companhias de produção: Filmsonor, Vera Films; Intérpretes: Simone Signoret (Nicole Horner), Véra Clouzot (Christina Delassalle), Paul Meurisse (Michel Delassalle), Charles Vanel (Alfred Fichet, o comissário), Jean Brochard (Plantiveau, porteiro), Thérèse Dorny (Mme. Herboux), Michel Serrault (M. Raymond), Georges Chamarat (Dr. Loisy), Robert Dalban, Camille Guérini, Jacques Hilling, Jean Lefebvre, Aminda Montserrat, Jean Témerson, Jacques Varennes, Georges Poujouly, Yves-Marie Maurin, Noël Roquevert, Pierre Larquey, Jean-Pierre Bonnefous, Christian Brocard, Jean Clarieux, Henri Coutet, Michel Dumur, Johnny Hallyday (um aluno), Henri Humbert, Roberto Rodrigo, Madeleine Suffel, Jimmy Urbain, etc. Duração: 114 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Prisvideo; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 20 de Fevereiro de 1959.


SIMONE SIGNORET (1921-1985)
Foi sempre “Aquela Loura” do filme de Jacques Becker. A típica francesa da resistência, que cantava ou ouvia cantar “Le Temps des Cerises”. Henriette Charlotte Simone Kaminker, mais conhecida por Simone Signoret, nasceu alemã, a 25 de Março de 1921, em Wiesbaden, Hesse, Alemanha, e viria a falecer a 30 de Setembro de 1985, em Autheuil-Authouillet, França, vítima de cancro no pâncreas. Simone Signoret teve como pais um judeu polaco, André Kaminke, jornalista e tradutor, e Georgette Signoret. No início da II Guerra Mundial, Simone refugiou-se na Bretanha com a família, estudou no liceu de Vannes. Em Paris, em 1941, foi secretária de Jean Luchaire, jornalista e político colaboracionista durante a ocupação nazi de França. Foi através da filha de Jean, a actriz Corinne Luchaire, que Simone começou a trabalhar como figurante no cinema, tendo então adquirido o nome artístico de Simone Signoret. Em 1943, cruza-se com o realizador Yves Allégret e, três anos depois, têm uma filha. Casam em 1948. Allegret oferece-lhe a oportunidade de participar em obras importantes, como “Macadam”, com o qual obtém o prémio Suzanne-Bianchetti, que consagrava uma revelação. Em 1949, apaixonada por um jovem cantor, Yves Montand, deixa o marido. Casa com Montand em 1952. A carreira dispara com trabalhos inesquecíveis, em “Casque d'or”, de Jacques Becker, “Thérèse Raquin”, de Marcel Carné, ou “Les Diaboliques”, de Henri-Georges Clouzot. Em 1954, Signoret e Montand compram uma propriedade em Autheuil-Authouillet, na Normandia, local que se transforma em centro de convívio de artistas e intelectuais como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Serge Reggiani, Pierre Brasseur, Luis Buñuel, Jorge Semprún, entre outros. Tudo gente da esquerda francesa, muitos “companheiros de estrada” do Partido Comunista. Em 1957, Yves Montand e Simone Signoret viajam em tournée triunfal pelos países de Leste, mas regressam desiludidos, o que os leva a afastarem-se do PC, mantendo as suas convicções de esquerda. Com “A Room at the Top” (Um Lugar na Alta Roda), de Jack Clayton, Simone ganha o Oscar de Melhor Actriz, pela primeira vez atribuído a uma francesa não residente nos EUA. Simone Signoret e Yves Montand partem para os Estados Unidos em 1959, onde se tornam amigos de Arthur Miller, de quem tinham criado a versão francesa da peça “Sorcières de Salem”. Miller era casado com Marilyn Monroe, e esta impôs Montand seu partenaire em “Vamo-nos Amar”, filme de George Cukor. Assim foi. Amaram-se, num caso muito discutido na época. Montand voltaria para Simone Signoret, e o casal manteve-se até a morte da actriz (1985). Entretanto, a filmografia de Signoret ganha nova revitalização nos anos 70, com filmes como “L'Armée des ombres”, de Jean-Pierre Melville, “Le Chat”, “La Veuve Couderc”, ambos de Pierre Granier-Deferre, “Les Granges brûlées”, de Jean Chapot,  “La Chair de l'orchidée” e “Judith Therpauve”, os dois de Patrice Chéreau, ou “Police Python 357”, de Alain Corneau. Em 1978, ganha o Cesar de Melhor Actriz em “La Vie devant soi”. Entretanto, a bebida e o cigarro não ajudam, e a saúde de Simone Signoret deteriora-se. Depois de uma operação à vesicula, com problemas de visão, morre de cancro no pâncreas no dia 30 de Setembro de 1985, com 64 anos. É enterrada no cemitério de Père-Lachaise, para onde foi igualmente Montand, quando morreu, em Novembro de 1991.
Para além de actriz, notabilizou-se como escritora, com uma autobiografia, “La nostalgie n'est plus ce qu'elle était”, de 1975, e dois romances, “Le lendemain, elle était souriante...” e “Adieu Volodia”. No teatro, ficaram na memória as interpretações em “Dieu est innocent”, de Lucien Fabre, “Les Sorcières de Salem”, de Arthur Miller, “Les Petits Renards”, de Lillian Hellman, e “Macbeth”, de Shakespeare.
Ganhou três BAFTAS, como Melhor Actriz Estrangeira, por “Casque d'or” (1953), “Les Sorcières de Salem” (1958) e “A Room at the Top” (1959). Com este último filme ganhou ainda o National Board of Review, o Festival de Cannes, e o Oscars 1960. Foi ainda nomeada por diversas vezes para Oscars, Globos de Ouro BAFTAS, Césars, etc. A cantora Nina Simone escolheu o seu pseudónimo em homenagem a Simone Signoret depois de a ver em “Casque d'or”.

Filmografia
Como actriz: 1942: Le Prince charmant, de Jean Boyer; Boléro, de Jean Boyer; L'Ange de la nuit, de André Berthomieu; Les Visiteurs du soir (Os Trovadores Malditos), de Marcel Carné; Le Voyageur de la Toussaint, de Louis Daquin; Le Bienfaiteur (O Benfeitor), de Henri Decoin; 1943: Adieu Léonard, de Pierre Prévert; Béatrice devant le désir, de Jean de Marguenat; Le mort ne reçoit plus de Jean Tarride; 1944: L'ange de la nuit, de André Berthomieu; Service de nuit ,de Jean Faurez; Le mort ne reçoit plus, de Jean Tarride; 1945: Le Couple ideal, de Bernard Roland; La Boîte aux rêves, de Yves Allégret e Jean Choux; Les Démons de l'aube, de Yves Allégret; 1946: Macadam de Marcel Blistène e Jacques Feyder; Face à la vie, de René Chanas (curta-metragem); 1946: Ulysse ou les Mauvaises Rencontres, de Alexandre Astruc (curta-metragem); 1947: Fantômas, de Jean Sacha; Against the Wind, de Charles Crichton; Dédée de Anvers (Vidas Tenebrosas), de Yves Allégret; 1948: Impasse des Deux-Anges, de Maurice Tourneur; 1950: Manèges, de Yves Allégret; La Ronde (A Ronda), de Max Ophüls; Swiss Tour, de Leopold Lindtberg;  Gunman in the Streets, de Boris Lewin e Franck Tuttle; Le traqué, de Borys Lewin; 1951: Ombre et Lumière (A Luz e a Sombra), de Henri Calef; 1951: Casque de or (Aquela Loira), de Jacques Becker; 1951: Sans laisser de adresse (Um Táxi, Uma Mulher e Um Destino), de Jean-Paul Le Chanois; Jouons le jeu, episódio La Jalousie, de André Gillois (curta-metragem); Saint-Germain-des-Prés, de Marcello Pagliero (curta-metragem); 1953: Thérèse Raquin (Teresa Raquin), de Marcel Carné; Confidences en zig-zag sur l'amour, de André Gillois (curta-metragem); 1954: Les Diaboliques (As Diabólicas), de Henri-Georges Clouzot; 1955: Mutter Courage und ihre Kinder, de Wolfgang Staudte (inacabado); 1956: La Mort en ce jardin (Labirinto Infernal), de Luis Buñuel; Un matin comme les autres / La Rose des vents, de Yannick Bellon (curta-metragem); 1957: Les Sorcières de Salem (As Feiticeiras de Salem), de Raymond Rouleau; 1959: A Room at the Top (Um Lugar na Alta Roda), de Jack Clayton; 1960: Adua e le compagne, de Antonio Pietrangeli; General Electric Theater (TV) - Don't You Remember?; 1961: Les Mauvais Coups (A Roda da Sorte), de François Leterrier; Les Amours célèbres (Amores Célebres), episódio Jenny Lacour, de Michel Boisrond; Barabbas (Barrabás), de Richard Fleischer (não creditada); 1962: Term of Trial (Final de Julgamento), de Peter Glenville; Le Jour et l'Heure (O Dia e a Hora), de René Clément; 1963: Dragées au poivre, de Jacques Baratier; Le Joli Mai, de Chris Marker (documentário); Il giorno più corto, de Sergio Corbucci (não confirmada a participação); 1964: Aux grands magasins, de William Klein(documentário); 1965: Compartiment tueurs (6 ª. Testemunha), de Costa-Gavras; Ship of Fools (A Nave dos Loucos), de Stanley Kramer; The Love Godlesses, de Saul J. Turell (documentário); 1966: Paris brûle-t-il ? (Paris Já Está a Arder?), de René Clément; The Deadly Affair (Duas Plateias para a Morte),de Sidney Lumet; Bob Hope Presents the Chrysler Theatre (TV) - A Small Rebellion, de Stuart Rosenberg;  1967: Games (Jogos Perigosos), de Curtis Harrington; 1968: Mister Freedom, de William Klein; Jour de tournage, de Chris Marker (curta-metragem); The Sea Gull (A Gaivota), de Sidney Lumet; 1969: L'Américain (O Americano), de Marcel Bozzuffi; L'Armée des ombres (O Exército das Sombras), de Jean-Pierre Melville; 1970: L'Aveu (A Confissão), de Costa-Gavras; Le Deuxième Procès de Arthur London, de Chris Marker (documentário); Un Otage (TV); 1971: Comptes à rebours (O Doce Sabor da Vingança), de Roger Pigaut; Henri Langlois, de Roberto Guerra e Ella Hershon (documentário); Le Chat (O Gato), de Pierre Granier-Deferre; La Veuve Couderc (A Viúva Couderc), de Pierre Granier-Deferre; 1973: Les Granges brûlées (Almas a Nu), de Jean Chapot; Rude journée pour la reine (Um Dia Difícil), de René Allio; 1975: La Chair de l'orchidée (A Rapariga da Orquídea), de Patrice Chéreau; 1976: Police Python 357 (A Arma da Justiça), de Alain Corneau; 1978: La Vie devant soi (A Vida à Sua Frente), de Moshé Mizrahi; Madame le Juge (TV); 1977: Le fond de l'air est rouge, de Chris Marker (documentário); 1978: L'Adolescente, de Jeanne Moreau; Judith Therpauve, de Patrice Chéreau; Madame le juge (TV); 1979: Chère inconnue, de Moshé Mizrahi; 1982: L'Étoile du Nord, de Pierre Granier-Deferre; Guy de Maupassant, de Michel Drach; 1983: Thérèse Humbert (TV); Des terroristes à la retraite, de Mosco Boucault (documentário, só locução); 1986: Music Hall (TV).



VÉRA CLOUZOT (1913-1960)
Vera Clouzot é brasileira de nascimento. Nasceu a 30 de Dezembro de 1913, no Rio de Janeiro, e viria a falecer a 15 Dezembro de 1960, em Paris, França, vítima de um ataque cardíaco. O nome de baptismo era Véra Gibson-Amado e era filha de um escritor, politico e diplomata, Gilberto Amado (1887-1969), que, em 1915, durante uma altercação com o poeta Aníbal Teóphilo, numa cerimónia oficial, a decorrer nas instalações do “Jornal do Comércio”, puxou de um arma e matou o adversário. Amado foi absolvido e prosseguiu uma carreira significativa como político e depois embaixador. Quanto a Vera, casou com o realizador francês Henri-Georges Clouzot, e construiu uma reduzida carreira como actriz de cinema, com apenas três títulos, todos sob direcção do marido. Curiosamente, dois desses filmes figuram entre os 250 mais cotados pelos leitores do IMDB.  

Filmografia

Como actriz: 1953: Le Salaire de la Peur (O Salário do Medo); 1955: Les Diaboliques (As Diabólicas); 1957: Les espions (Os Espiões), todos de Henri-Georges Clouzot. Colaborou ainda no argumento de La Vérité (A Verdade, 1960), igualmente de Clouzot.

Dia 30 DE JUNHO DE 2015


A ÚLTIMA VEZ QUE VI PARIS (1954)

Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e o próprio realizador Richard Brooks escreveram o argumento, segundo um conto de F. Scott Fitzgerald, inicialmente publicado no “The Saturday Evening Post” (1931), e posteriormente integrado na antologia "Babylon Revisited". O conto é bastante mais curto e seco que o filme, que o inunda com prolongamentos por vezes um pouco melodramáticos em demasia, mas diga-se em abono da verdade que o resultado final é bastante interessante e, sobretudo, não anda muito longe do universo do autor de “O Grande Gatsby”, povoado por “Belos e Malditos” a evoluir na “Era do Jazz”, quer habitem a América do pós I Guerra Mundial, os “loucos anos 20”, ou sobrevivam durante a Grande Depressão, em Paris, por exemplo, onde decorre a acção do conto (e obviamente do filme dele retirado). Houve quem chamasse a esta a “Geração Perdida” (Lost Generation). A designação é atribuída a Gertrude Stein, mas quem a vulgarizou foi Ernest Hemingway nalgumas obras suas. O termo caracteriza uma geração de intelectuais, escritores, artistas, músicos, que viveram em Paris, mas também noutros locais da Europa, durante o lapso de tempo que mediou entre o fim da I Guerra Mundial e a eclosão da Grande Depressão (1918-1929). Muitos são os nomes que se lhe encontram associados - este foi um período fértil em criação literária e artística de vanguarda -, mas os que mais são citados, entre os norte-americanos, são Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Ezra Pound, Sherwood Anderson, Waldo Peirce, John Dos Passos e T. S. Eliot. Irlandês, James Joyce fez igualmente parte deste grupo, sendo o romance “Ulisses” considerado uma das peças fundamentais deste período. Deve, no entanto, dizer-se que os escritores que melhor encarnaram esse tempo, terão sido Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. Eles foram a essência dessa era onde o jazz floresceu e marcou o ritmo.
"Babylon Revisited", o conto, fala-nos do regresso a Paris do americano Charles Wills, alguns anos depois de ter abandonado a capital francesa, onde passara uma longa temporada. Como o título denuncia, ele vem “revisitar Babilónia”. Charles volta a Paris para rever a filha, Vicki, que ali deixara em casa de uma cunhada, com a ideia de a levar consigo. Mas Marion Ellswirth, irmã da sua falecida mulher, Helen Ellswirth, não parece muito virada para satisfazer esse desejo, dada a vida anterior de Charles, um daqueles jovens entregues aos prazeres da vida, às festas sucessivas, à vida nocturna, à boémia, às drogas e ao alcoolismo. Uma vida que terá levado, de alguma forma, à morte de Helen e à atitude hostil de Marion. O conto não vai muito mais além e terá sido necessária alguma imaginação para os argumentistas do filme recriarem um longo flashbach (que ocupa quase todo filme) onde se recuperam os tempos passados em Paris por Charles e Helen, numa altura em que a cidade era essa Babilónia, onde Charles (e os amigos) eram “uma espécie de realeza quase infalível, rodeados por uma espécie de magia”. Eram tempos de ociosidade, de viver a vida perigosamente, alegremente, ou como se diz no conto, de perceber “como o vício e a dissipação se desenvolviam numa escala quase absolutamente infantil (…), reconhecendo rapidamente o significado da palavra "dissipar": dissipar-se no ar ténue, converter alguma coisa em nada”. Charles recorda ainda, no conto, como “se entregavam notas de mil francos a uma orquestra para tocar um tema, ou notas de cem francos oferecidas a um porteiro para chamar um táxi”.


O filme distende o conto, cria uma intriga anterior a este regresso de Charles Wills (Van Johnson) a Paris, desenvolve a história de amor e os conflitos com a mulher, Helen Ellswirth (Elizabeth Taylor), a má relação com a cunhada Marion Ellswirth (Donna Reed) é explicada por uma prévia paixão desta por Charles, não correspondida, estabelece uma curiosa paternidade para as irmãs, com a aparição de James Ellswirth (Walter Pidgeon), uma das figuras mais boémias, que estende a ociosidade ao jogo e à bebida, e demonstra uma “compreensão” total quanto ao estilo de vida de Helen. No filme, estas personagens mostram possuir uma lucidez invulgar, mas de acordo com as suas pretensões intelectuais. Eles sabem-se “perdidos”, náufragos de um tempo que consomem sem o perceberem, mas têm plena consciência da sua incapacidade de mudança. A certa altura, Helen afirma que talvez “seja tempo de crescer”, ao que Charles responde que “é muito tarde para crescer!” Os romances que tenta escrever continuam a ser recusados pelas editoras, no que o conto se revela muito próximo de alguns aspectos autobiográficos do próprio F. Scott Fitzgerald. Na verdade, os biógrafos do escritor associam este conto do também autor de “Este Lado do Paraíso” às reacções que manteve com a cunhada Rosalind e o marido Newman Smith, com algumas anotações relativas à sua filha "Scottie". Helen, no conto, poderá ter alguma equivalência à mulher do próprio Fitzgerald, Zelda. Rosalind nunca terá perdoado ao escritor a vida de dissolução e de irresponsabilidade frívola que, segundo ela, terá conduzido Zelda aos problemas mentais que a colocaram num hospício na Suíça. De resto, Rosalind e Newman acabaram mesmo por tomar conta de “Scottie”, julgando o pai irresponsável para a educar.
Passado entre Paris e Cannes, Mónaco e a Cote d’Azur, “A Última Vez que Vi Paris” peca um pouco por um certo melodramatismo a roçar o piegas, sobretudo para o final, mas vale como retrato de uma época e pela realização eficaz e segura de Richard Brooks (um cineasta com grande queda para adaptar grandes clássicos da literatura mundial – são dele “Os Irmãos Karamazov”, partindo de Dostoiévski, “Gata em Telhado de Zinco Quente” e “Corações na Penumbra”, ambos segundo Tennessee Williams, ou, entre outros, “Lord Jim”, adaptação de Joseph Conrad). Não deverá esquecer-se a canção que funciona como tema desta obra e que muito contribuiu igualmente para o seu sucesso internacional. Curiosamente, não é uma criação original para este filme, surgiu em 1941, no filme “Lady Be Good”, com Ann Sothern, e foi inspirada composição assinada por uma dupla que fez furor na música (e nos musicais) norte-americana, Jerome Kern e Oscar Hammerstein II. Em 1942, ganhou o Oscar para Melhor Canção e no filme de 1954 o tema foi cantado por Odette Myrtil. 
Ao nível da representação, Elizabeth Taylor e Van Johnson fazem a sua última aparição conjunta num título da MGM, mas deve dizer-se, apesar do enorme êxito que o filme conheceu junto das plateias mundiais, dando muito a ganhar à produtora (a MGM fala em quase um milhão de dólares de lucro), que não é dos melhores trabalhos de nenhum deles. Elizabeth Taylor passa por um dos seus mais deslumbrantes momentos, quanto a beleza e elegância, mas em muitos outros filmes ela terá feito explodir de forma mais convincente o seu talento. Walter Pidgeon terá a composição mais divertida, enquanto Donna Reed, Eva Gabor, Kurt Kasznar, George Dolenz ou Sandy Descher cumprem. Curiosa a estreia de Roger Moore em Hollywood, como galã sedutor irresistível. 

A ÚLTIMA VEZ QUE VI PARIS
Título original: The Last Time I Saw Paris
Realização: Richard Brooks (EUA, 1954); Argumento: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein, Richard Brooks, segundo conto de F. Scott Fitzgerald ("Babylon Revisited"); Produção: Jack Cummings; Música: Conrad Salinger; Fotografia (cor): Joseph Ruttenberg;  Montagem: John D. Dunning; Direcção artística: Randall Duell, Cedric Gibbons; Decoração: Jack D. Moore, Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Helen Rose; Maquilhagem: Sydney Guilaroff, William Tuttle; Direcção de Produção: William Kaplan; Assistente de realização: William Shanks; Som: Wesley C. Miller, Conrad Kahn, Alexander Kelly Jr., Kendrick Kinney, Finn Ulback; Efeitos especiais: A. Arnold Gillespie; Companhia de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Elizabeth Taylor (Helen Ellswirth), Van Johnson (Charles Wills), Walter Pidgeon (James Ellswirth), Donna Reed (Marion Ellswirth), Eva Gabor (Lorraine Quarl), Kurt Kasznar (Maurice), George Dolenz (Claude Matine), Roger Moore (Paul), Sandy Descher (Vicki), Celia Lovsky (Mama), Peter Leeds, John Doucette, Odette Myrtil, Jacqueline Allen, Max Barwyn, Peter Bourne, Tim Cagney, Ann Codee, Harry Cody, Louise Colombet, Gene Coogan, Albert D'Arno, John Damler, Marcel De la Brosse, Josette Deegan, Jean Del Val, Paul Dubov, Arthur Dulac, Norman Dupont, Richard Emory, John Charles Farrow, Gilda Fontana, Mary Ann Hawkins, Jean Heremans, Louis Mercier, Matt Moore, Leonidas Ossetynski, Manuel París, Danik Patisson, Tao Porchon,Paul Power, Fay Roope, Joe Rubino, Loulette Sablon, Dick Simmons, Angela Stevens, Lomax Study, Luis Urbina, Maya Van Horn, Bruno VeSota, Steve Wayne, etc. Duração: 116 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): CineDigital; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 10 de Janeiro de 1956.


ELIZABETH TAYLOR (1932 - 2011)
Elizabeth Rosemond Taylor nasceu a 27 de Fevereiro de 1932, em Hampstead, Londres, Inglaterra, e viria a falecer a 23 de Março de 2011, em Los Angeles, Califórnia, EUA, vítima de problemas cardíacos. Os pais eram americanos, Francis Leen Taylor e Sara Viola Rosemond Warmbrodt, oriundos de St. Louis, Missouri, e foram para Londres abrir uma galeria de arte. A mãe era actriz, actividade que abandonou depois de casada, e Elizabeth viveu em Londres até aos 7 anos, quando a família regressou aos EUA, a Los Angeles, para fugir à guerra. Um amigo, ao descobrir a beleza da jovem, aconselhou-a a fazer um teste na Universal Pictures, onde foi logo contratada e se estreou aos 10 anos, em “O Rei das Vitaminas” (1942). Pouco depois, passou para a MGM, lançando-se numa carreira que fez dela uma das maiores vedetas de sempre do cinema mundial. Depois de várias obras onde se apresentava como adolescente (entre elas, algumas ao lado da inseparável Lassie), filmes como “Rapsódia” (1954), “O Belo Brummell” (1954), “A Última Vez Que Vi Paris” (1954) ou “A Senda dos Elefantes” (1954) prepararam a escalada. Com 20 anos, era considerada uma das mais fulgurantes belezas de Hollywood, como o demonstrou numa obra-prima de George Stevens, “Um Lugar ao Sol” (1951). Depois interpretou “O Gigante” (1956), ao lado de Rock Hudson e de James Dean, prosseguindo num crescendo de sucessos, como “A Árvore da Vida” (1957), “Gata em Telhado de Zinco Quente” (1958), “Bruscamente no Verão Passado” (1959), “O Número do Amor” (1960), “Cleópatra” (1963), “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” (1966), entre muitos outros. Foi Oscar da Academia para Melhor Actriz em 1961, por “Butterfield 8” e em 1967, por “Who's Afraid of Virginia Woolf?”. Conquistou inúmeros prémios e condecorações. Possui uma estrela no “Walk of Fame”, em 6336, Hollywood Boulevard. Vida sentimental tumultuosa, com sete casamentos, um deles bisado: Conrad Hilton Jr. (1950 - 1951), Michael Wilding (1952 - 1957), Michael Todd (1957 - 1958), Eddie Fisher (1959 - 1964), Richard Burton (1964 - 1974), Richard Burton (1975 - 1976) John Warner (1976 - 1982) Larry Fortensky (1991 - 1996).


Filmografia:

1942: There’s One Born Every Minute (O Rei das Vitaminas), de Harold Young; 1943: Lassie Come Home (O Regresso), de Fred M. Wilcox; 1944: Jane Eyre (A Paixão de Jane Eyre), de Robert Stevenson; The White Cliffs of Dover (As Rochas Brancas de Dover), de Clarence Brown; National Velvet (A Nobreza Corre nas Veias), de Clarence Brown; 1946: Courage of Lassie ou Blue Sierra (A Coragem de Lassie), de Fred M. Wilcox; 1947: Life with Father (A Culpa é do Papá), de Michael Curtiz; Cynthia: The Rich, Full Life ou The Rich Full Life (Cynthia, Feliz Amanhecer), de Robert Z. Leonard; 1948: A Day with Judy (Travessuras de Júlia), de Richard Thorpe; Julia Misbehaves (A Professora de Rumba), de Jack Conway; 1949: Little Women (Mulherzinhas), de Mervyn LeRoy; Conspirator (Traidor), de Victor Saville; 1950: The Big Hangover (A Verdade não se Diz), de Norman Krasna; Father of the Bride (O Pai da Noiva), de Vincente Minnelli; 1951: Father’s Little Dividend (O Pai é Avô), de Vincente Minnelli; A Place in the Sun (Um Lugar ao Sol), de George Stevens; Quo Vadis (Quo Vadis), de Mervyn LeRoy; Calaway Went Thataway (Esperto Contra Esperto), de Norman Panama e Melvin Frank (não creditada); 1952: Love Is Better Than Ever ou The Light Fantastic (O Melhor é Casar), de Stanley Donen; Ivanhoe ou Sir Walter Scott’s Ivanhoe (Ivanhoe, o Vingador do Rei), de Richard Thorpe; 1953: The Girl Who Had Everything (Paixão Perigosa), de Richard Thorpe; 1954: Rhapsody (Rapsódia), de Charles Vidor; 1954: Elephant Walk (A Senda dos Elefantes), de William Dieterle; Beau Brummell (O Belo Brummell), de Curtis Bernhardt; 1954: The Last Time I Saw Paris (A Última Vez que Vi Paris), de Richard Brooks; 1956: Giant (O Gigante), de George Stevens; 1957: Raintree County (A Árvore da Vida), de Edward Dmytryk; 1958: Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Telhado de Zinco Quente), de Richard Brooks; 1959: Suddenly, Last Summer (Bruscamente no Verão Passado), de Joseph L. Mankiewicz; 1960: Butterfield 8 (O Número do Amor), de Daniel Mann; 1963: Cleopatra (Cleopatra), de Joseph L. Mankiewicz; 1963: The V.I.P.s ou International Hotel (Hotel Internacional)), de Anthony Asquith; 1964: The Night of Iguana (A Noite de Iguana), de John Huston; 1965: The Sandpiper (Adeus Ilusões), de Vincente Minnelli; 1966: Who’s Afraid of Virginia Woolf? (Quem Tem Medo de Virginia Woolf?), de Mike Nichols; 1967: The Taming of the Shrew (A Fera Amansada), de Franco Zeffirelli; Doctor Faustus (Doctor Fausto), de Richard Burton e Neville Coghill; Reflections in a Golden Eye (Reflexos num Olho Dourado), de John Huston; The Comedians (Os Comediantes), de Peter Glenville; 1968: Boom! (Choque), de Joseph Losey; Secret Ceremony (Cerimónia Secreta), de Joseph Losey; 1969: Anne of the Thousand Days ou Anne of a Thousand Days), de Charles Jarrott; 1970: The Only Game in Town (Quando o Jogo É o Amor), de George Stevens; 1972: X, Y & Zee and Co. (X, Y e Z), de Brian G. Hutton ; Under Milk Wood, de Andrew Sinclair; Hammersmith Is Out (A Engrenagem), de Peter Ustinov; 1973: Divorce His, Divorce Hers (Divórcio), de Waris Huss\ein (telefilme); Night Watch (A Noite dos Mil Olhos), de Brian G. Hutton; Ash Wednesday (Porque Morre o Nosso Amor?), de Larry Peerce; 1974: The Driver’s Seat ou Psychotic (O Outono da Vida), de Giuseppe Patroni Griffi; That Entertainment (Isto é Espectáculo)), de Jack Haley Jr.; 1976: The Blue Bird (O Pássaro Azul), de George Cukor; Victory at Entebbe (Vitória em Entebbe), de Marvin Chomsky (telefilme); 1977: A Little Night Music (Música Numa Noite de Verão), de Harold Prince; 1978: Return Engagement, de Harold Prince (telefilme); 1979: Winter Kills (Pela Mira da Espingarda), de William Richert; 1980: The Mirror Crack’d (Espelho Quebrado), de Guy Hamilton; 1981: General Hospital (série de TV); 1983: Between Friends ou Nobody Makes Me Cry, de Deborah Shapiro (telefilme); 1984: All My Children (série de TV); Hotel (série de TV); 1985: Malice in Wonderland ou The Rumor Mill Louella Parsons (telefilme); 1985: North and South (Norte e Sul) (série de TV); 1986: There Must Be a Pony, de Marguerite Sydney (telefilme); 1987: Poker Alice, de Alice Moffit (telefilme); 1988: Il Giovane Toscanini (A Vida do Jovem Toscanini), de Franco Zeffirelli; 1989: Sweet Bird of Youth, de Alexandra Del Lago (telefilme); 1992: Captain Planet and the Planeteers Épisode A Formula for Hate) (série de TV); The Simpsons (Os Simpsons) (série de TV); 1994: The Flinstones (Os Flintstones) (série de TV); 1996: The Nanny, de Fran Drescher; 2001: These Old Broads, de Beryl Mason; 2003: God, the Devil and Bob (série de TV). 

sábado, 20 de junho de 2015

DIA 24 DE JUNHO DE 2015


A RODA DA FORTUNA (1953)

Vincente Minnelli é um cineasta de um bom gosto, de uma sensibilidade plástica, de uma inteligência, de um sentido do espectáculo raros. Tocou vários géneros, e quase sempre bem, mas nas décadas de 30 a 60 do século XX demonstrou um àvontade e um vigor notáveis no musical, onde foi um inovador destacado, autor de várias obras que para sempre ficaram na História do cinema. Basta citar “Meet Me in St. Louis” (1944), “Ziegfeld Follies” (1945), “Yolanda and the Thief” (1945, “The Pirate” (1948), “An American in Paris” (1951), “The Band Wagon” (1953), “Brigadoon” (1954) “Gigi” (1958) “Bells Are Ringing” (1960) ou mesmo “On a Clear Day You Can See Forever” (1970) para se ter a medida do seu talento e da sua importância na imposição de um género e na sua constante renovação. 
“The Band Wagon” (A Roda da Fortuna) é uma produção da MGM e do carismático produtor Arthur Freed, um dos nomes que mais decisivo se mostrou na definição do género, para o que contou muitas vezes com o génio de Vincent Minelli, e, neste caso, com a colaboração de uma elenco brilhante, com Fred Astaire e Cyd Charisse como chefes de quadro, mas muito bem coadjuvados por Oscar Levant, Nanette Fabray, Jack Buchanan e muitos outros, num argumento bem arquitectado por Betty Comden e Adolph Green. Bem arquitectado, mas muito simples. Muito simples, mas nada simplista. Afinal por ali passa muito pensamento sobre o que é o teatro e a arte. Mas fundamentalmente esta é uma estrutura óssea que permite a inclusão torrencial de números de bailado, razão principal do filme. As próprias personagens o explicam.
Quem gosta de musicais não precisa de mais explicações para se deixar levar na onda da música e do canto, sonhando esvoaçar no palco com Cyd Charisse nos braços ou tentando imitar o sapateado de Astaire. Mas o restante público, e há muito espectador que não gosta de musicais, que não tolera estes diálogos cantados, este aparente faz que anda mas não anda dos bailados, esses talvez se tornem permeáveis à beleza destes filmes se lhes acrescentarmos mais algumas palavras. Neste caso, acredito que se gosta ou não se gosta e pouco haverá a fazer. Mas é sempre bom tentar.


“A Roda da Fortuna” não é um filme excepcional pelo argumento, apesar deste ultrapassar em muito a sua aparente frivolidade. Mas parece-se a algumas dezenas de outros, com a característica deste ser infinitamente mais inteligente que muitos outros. Tony Hunter (Fred Astaire), bailarino, cantor, actor, regressa a Nova Iorque e, na estação de caminhos-de-ferro (onde encontra Ava Gardner!), tem à sua espera um casal de amigos e argumentistas, Lester e Lily Marton (Oscar Levant e Nanette Fabray), que têm na mão o guião do que eles afirmam ser um novo sucesso da Broadway. Contam com o apoio de um encenador e actor nessa altura de grande prestígio, Jeffrey Cordova (Jack Buchanan), e a colaboração de uma bailarina clássica, disposta a lançar-se nos palcos da Rua 42, a bela Gabrielle Gerard (Cyd Charisse). Mas nem tudo é fácil neste mundo do “entertainment”, aparecem sempre encenadores megalómanos, actores invejosos, outros inseguros, ensaios e mais ensaios, esperanças e desilusões, triunfos e fracassos, até se chegar à noite de estreia em Nova Iorque (na América normalmente antecedida por uma tournée por algumas das principais cidades do país, para rodar a companhia).
É disso tudo que trata “A Roda da Fortuna”, com a excelente “agravante” de nos ir proporcionando magníficos “números” que ficam na memória de todos. Por mim, retenho “clássicos” como “That's Entertainment” (um must dos musicais), “By Myself”, “You and the Night and the Music”, “Triplets”, “Something to Remember You By”, “Dancing in the Dark” (um dos mais belos números de dança de Fred Astaire, aqui ao lado da soberba Cid Charisse), “The Girl Hunt” (paródia ao mundo do filme policial e em especial ao universo do escritor Mickey Spillane) e um pouco conhecido mas delicioso “Shine on My Shoes”, que se integra numa delirante viagem pela rua 42, outrora o reino do musical da Broadway e agora transformada numa espécie de feira popular (lamenta Tony Hunter, enquanto vai experimentando cada uma das atracções).


Por tudo isto, “The Band Wagon” é um dos mais fabulosos musicais da época de Ouro de Hollywood (ao lado de obras-primas como “Serenata à Chuva”, com o qual mantém curiosas afinidades, sendo-lhe posterior um ano, ou “Um Americano em Paris”). A esta obra se chamou "backstage musical" (um musical de bastidores) e assim é, relatando alguns aspectos da forma como se ergue um espectáculo num dos teatros da Broadway. A visão é obviamente romântica, mas tem algo a ver com o recente “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, do mexicano Alejandro González Iñárritu que, numa perspectiva muito mais sombria, e sem falar de musicais, mas de teatro moderno, nos permite o mesmo olhar através dos corredores por detrás do palco, com os seus dramas e frustrações.
O filme adapta um musical da Broadway, estreado em 1931, com Fred Astaire e sua irmã Adele Astaire. Foi nomeado para três Oscars; Melhor Argumento, Betty Comden e Adolph Green; Melhor Guarda-roupa, Mary Ann Nyberg, e Melhor Música, Adolph Deutsch. Entretanto será de referir a qualidade das canções, muitas delas da dupla Howard Dietz e Arthur Schwartz, e salientar ainda que esta obra é uma das preservadas pelo National Film Registry, ocupando a 17ª posição na lista dos 25 maiores musicais americanos de todos os tempos, lista organizada pelo American Film Institute (AFI, 2006).

A RODA DA FORTUNA
Título original: The Band Wagon
Realização: Vincente Minnelli (EUA, 1953); Argumento: Betty Comden, Adolph Green, e ainda (não creditados) Norman Corwin, Alan Jay Lerner; Produção: Roger Edens, Arthur Freed, Bill Ryan; Música: Alexander Courage, Adolph Deutsch, Conrad Salinger; Fotografia (cor):  Harry Jackson, George J. Folsey; Montagem: Albert Akst, George White; Direcção artística: E. Preston Ames, Cedric Gibbons;  Decoração: F. Keogh Gleason, Edwin B. Willis;  Guarda-roupa:  Mary Ann Nyberg; Maquilhagem: Sydney Guilaroff, William Tuttle; Direcção de Produção:  Hugh Boswell; Assistentes de realização: Jerry Thorpe, Al Alt, Jack Greenwood;  Departamento de arte: Oliver Smith, Robert Cormack, Frank Wesselhoff; Som: Douglas Shearer, James Brock, Ben Price; Efeitos especiais: Warren Newcombe; Companhia de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM); Intérpretes: Fred Astaire (Tony Hunter), Cyd Charisse (Gabrielle Gerard), Oscar Levant (Lester Marton), Nanette Fabray (Lily Marton), Jack Buchanan (Jeffrey Cordova), James Mitchell (Paul Byrd), Robert Gist (Hal), Fred Aldrich, Richard Alexander, Ernest Anderson, Barbara Bailey, Patsy Bangs, Lysa Baugher, Ralph Beaumont, Don Beddoe, Madge Blake, Herman Boden, Paul Bradley, Joe Brockman, Robert Burton, James Conaty, Henry Corden, Oliver Cross, Lillian Culver, Fred Datig Jr., Dulcie Day, Helen Dickson, Roy Engel, Estelle Etterre, Betty Farrington, Al Ferguson, Bess Flowers, Steve Forrest, Bill Foster, Douglas Fowley, Wymer Gard, Ava Gardner (ela própria), Jack Gargan, Herschel Graham, Marion Gray, Thurston Hall, Sam Hearn, Al Hill, Stuart Holmes, Colin Kenny, Donald Kerr, John Lupton, Judy Matson, Matt Mattox, Bert May, Frank McClure, Owen McGiveney, Harold Miller, Lawrence Montaigne, Julie Newmar, Loulie Jean Norman, Emory Parnell, Manuel París, Paul Power, Phil Rhodes, Barbara Ruick, Frank J. Scannell, George Sherwood, Robert Spencer, Harry Stanton, Bob Stebbins, Lotte Stein, Bert Stevens, Norman Stevens, Jack Stoney, Brick Sullivan, Hal Taggart, Jack Tesler, Jimmy Thompson, Dee Turnell, Glen Walters, Bobby Watson, Smoki Whitfield, Stuart Wilson, Gloria Wood, etc. Duração: 112 minutos; Distribuição em Portugal: MGM; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 15 de Abril de 1954.


CYD CHARISSE (1921-2008)
Quando nasceu chamaram-lhe Tula Ellice Finklea, mas também foi conhecida por Lily Norwood, Celia Siderova, Maria Istromena, além de Cyd Charisse, nome com que passou à história. Foi actriz e bailarina, das mais elegantes e sedutoras que o cinema americano conheceu. Tinha umas das mais belas pernas da História do cinema. Era conhecida mesmo por “The Legs”, o que não fazia jus a outras qualidades suas. Essas belíssimas pernas de pouco valeriam se não tivessem por detrás uma personalidade que as comandasse na direcção certas. Mas eram realmente valiosas para os estúdios, que as asseguraram em 5 milhões de dólares.
Nasceu a 8 de Março de 1921, em Amarillo, Texas, EUA, e faleceu a 17 de Junho de 2008, com 87 anos, em Los Angeles, Califórnia, EUA. Estudou ballet em Los Angeles com Adolph Bolm e Bronislava Nijinska e começou a dançar nos Ballets Russes, com os pseudónimos de "Celia Siderova" e "Maria Istromena". Com o eclodir da II Guerra Mundial, a companhia dissolveu-se e, em Los Angeles, David Lichine oferece-lhe um papel de dançarina em “Something to Shout About” (1943). O coreógrafo Robert Alton, que também descobriu Gene Kelly, levou-a até ao produtor Arthur Freed, da MGM, que a contratou para o seu ballet residente. A sua carreira ficaria para sempre ligada a “números” de bailado, ao lado de Fred Astaire e Gene Kelly. Ziegfeld Follies (1946) marca a sua primeira aparição ao lado de Fred Astaire, conquistando logo a seguir o papel principal em “The Band Wagon” (1953), onde, novamente ao lado de Astaire, celebrizou coreografias de "Dancing in the Dark" e "Girl Hunt Ballet". Ainda com Astaire aparece em “Silk Stockings” (1957), um remake musical de “Ninotchka”, com Charisse no papel que foi de Greta Garbo. Com Gene Kelly, aparece na obra-prima do musical, “Singing in the Rain” (1952), voltando a trabalhar com Kelly em “Brigadoon” e “It's Always Fair Weather” (1956). Com o declínio do género musical no final dos anos 50, Charisse retirou-se da dança, mas continuou a realizar pequenas participações em filmes e produções de TV até os anos 90.
Casada com o bailarino Nico Charisse (1939–1947) e, posteriormente, com o cantor e actor Tony Martin (1948–2008). A 9 de Novembro de 2006, Laura Bush e George W. Bush entregaram-lhe a National Medal of Arts. Morreu de ataque cardíaco, no Centro Médico Cedars-Sinai, de Los Angeles, no dia 17 de Junho de 2008 e o enterro efectuou-se no Hillside Memorial Park, em Culver City, EUA.


Filmografia

Como actriz: 1941: The Gay Parisian (curta-metragem); Escort Girl, de Edward E. Kaye (não creditada); 1943: Something to Shout About (Saúde, Dinheiro e Amor), de Gregory Ratoff; Mission to Moscow, de Michael Curtiz; Thousands Cheer (A Festa dos Ídolos), de George Sidney; 1944: In Our Time (Nos Nossos Dias), de Vicent Sherman (não creditada); This Love of Mine (curta-metragem); 1945: Ziegfeld Follies (As Mil Apoteoses de Ziegfeld), de Roy Del Ruth, Vincente Minnelli, George Sidney, Lemuel Ayers, Roy Del Ruth, Robert Lewis, Merrill Pye, Charles Walters; 1946: The Harvey Girls (A Batalha do Pó de Arroz), de George Sidney; Three Wise Fools (Éramos 3 Companheiros), de Edward Buzzell; Till the Clouds Roll By (Até as Nuvens Passarem), de Richard Whorf; 1947: Fiesta (Fiesta), de Richard Thorpe; The Unfinished Dance (A Dança Incompleta), de Henry Koster; 1948: On an Island with You (Numa Ilha com Ela), de Richard Thorpe; The Kissing Bandit, de László Benedek; 1948: Words and Music (Os Reis do Espectáculo), de Norman Taurog; 1949: Tension, de John Berry; East Side, West Side (Mundos Opostos), de Mervyn LeRoy; 1951: Mark of the Renegade (A Marca do Renegado), de Hugo Fregonese; 1952: The Wild North (Loucura Branca), de Andrew Marton; Singin' in the Rain (Serenata à Chuva), de Stanley Donen; 1953: Sombrero (Sombrero), de Norman Foster; The Band Wagon (A Roda da Fortuna), de Vincente Minnelli; Easy to Love (Fácil de Amar), de Charles Walters; 1954: Brigadoon (Brigadoon: A Lenda dos Beijos Perdidos), de Vincente Minnelli; Deep in my Heart (Bem no Meu Coração), de Stanley Donen; 1955: It's Always Fair Weather (Dançando nas Nuvens), de Stanley Donen e Gene Kelly; 1956: Viva Las Vegas (Viva Las Vegas), de Roy Rowland; 1957: Silk Stockings (Meias de Seda), de Rouben Mamoulian; 1958: Twilight for the Gods (Crepúsculo no Oceano), de Joseph Pevney; Party Girl (A Rapariga Daquela Noite), de Nicholas Ray; 1960: Checkmate, episódio “Dance of Death”, de Terence Young (TV); 1961: Five Golden Hours (O Cangalheiro e as Viúvas), de Mario Zampi; 1962: Something's Got to Give, de George Cukor (filme nunca terminado); Two Weeks in Another Town (Duas Semanas Noutra Cidade), de Vincente Minnelli; 1-2-3-4 ou Les Collants Noirs (Um, Dois, Três, Quatro), de Terence Young; 1965: Il Segreto del Vestito Rosso (O Segredo de Bil North), de Silvio Amadio; 1966: The Silencers (Matt Helm, Agente Muito Secreto), de Phil Karlson; 1967: Maroc 7, de Gerry O'Hara; 1972: Fol-de-Rol (TV); 1975: Medical Center (TV); 1976: Won Ton Ton, the Dog Who Saved Hollywood (Won Ton Ton, O Cão que Salvou Hollywood), de Michael Winner; 1978: Warlords of Atlantis (Os Guerreiros da Atântida), de Kevin Connor; 1978: Hawaii Five-O (TV); 1978-1983: Fantasy Island (TV); 1979: O Barco do Amor (TV); 1980: Portrait of an Escort (TV); 1984: The Fall Guy (TV); Glitter (TV); 1985: Crime, disse ela (TV); 1986: Crazy Like a Fox (TV); 1989: Swimsuit (TV); 1995: A Lei de Burke (TV); 1995: Frasier, O Psiquiatra da Rádio (TV); 2008: Meurtres à l'Empire State Building (TV).

23 DE JUNHO DE 2015


ATÉ À ETERNIDADE (1953)

“From Here to Eternity” começou por ser um romance de James Jones, lançado em 1951 e que desde logo alcançou um grande sucesso. O título foi arrancado de um poema de Rudyard Kipling, "Gentlemen Rankers", onde se falava de "damned from here to eternity". James Jones falava da sua experiência pessoal numa guarnição militar norte-americana pacificamente instalada no início da década de 40 no Havai, perto de Honolulu, e paredes meias com Pearl Harbor. Estamos no verão de 1941, e os problemas são os inerentes a uma qualquer colónia humana, com homens em exercícios militares e algumas mulheres de oficiais a passearem a sua ociosidade e desejos mal satisfeitos. A instrução é violenta, nalguns casos ultrapassa a tortura, como no caso do soldado Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift), que é tomado de ponta pelo capitão da sua companhia, Dana Holmes (Philip Ober), que, sabendo dos seus dotes de pugilista, o quer integrado na sua equipa, com vista a uma promoção pessoal. Mas Prewitt recusa sistematicamente incorporar-se no grupo de boxe, traumatizado que está por experiências passadas. Esta rejeição leva-o a sujeitar-se às mais sistemáticas humilhações psicológicas e torturas físicas. O mesmo acontece com o seu amigo Angelo Maggio (Frank Sinatra), que o guarda da prisão mortifica de forma desapiedada, quando o apanha atrás das grades, à sua mercê. O sargento Milton Warden (Burt Lancaster) é um dos homens mais equilibrados do quartel, impondo com disciplina as ordens superiores, mas atenuando a sua aspereza e arbitrariedade com algum humanismo. Aproveitando para, nos intervalos, saciar a solidão de Karen Holmes (Deborah Kerr), a mulher do capitão. Entre as principais personagens falta ainda referir Lorene, para os clientes do bar de alterne, onde recebe os soldados em folga, Alma para os amigos e para Robert E. Lee Prewitt, que por ela se apaixona (Donna Reed). A II Guerra Mundial acontece na Europa e ali os choques são os normais num tempo de paz que anuncia tormenta. O que acontece com o ataque dos japoneses a Pearl Harbor e que, por tabela, irá atingir também aquela unidade dos EUA.
Conflitos e paixões à solta num huis-clos que antecede a tragédia e a entrada dos americanos na II Guerra Mundial, “From Here to Eternity”, o livro, que não conheço, parece ser muito mais intenso e duro do que o filme que dele foi retirado dois anos depois (1953), com argumento de Daniel Taradash e realização de Fred Zinnemann, que, no ano anterior, tinha estreado com enorme êxito “O Comboio Apitou Três Vezes” (o célebre “High Noon”). Quando se falou na hipótese da Columbia estar interessada em adaptar o romance, a censura caiu em cima do estúdio e do produtor Harry Cohn que, por isso, ganhou uma alcunha apropriada, "Cohn's Folly", ou seja, mais ou menos, “a loucura de Cohn”. Na verdade, a obra literária era de um realismo vigoroso, quer quanto à vida numa instituição militar, à violência de certas arbitrariedades que roçam o mais extremado sadismo, à corrupção, ao jogo e ao álcool, quer quanto ao clima sensual, onde há um pouco de tudo, de prostituição a adultérios, passando inclusive por homossexualismo. Tudo temas mais que proscritos pelo Código Hays. Por isso o argumentista Daniel Taradash teve de “adaptar” muito (e com muito tacto) esta história para que a mesma conseguisse passar pelo crivo do olhar dos censores. Atenuando aqui e anulando ali, insinuando um pouco, e mostrando alguma coisa, lá conseguiu chegar a bom porto, de tal forma que foi um dos 13 nomeados para os Oscars do Ano, e haveria de ser mesmo um dos oito contemplados finais com a desejada estatueta. Mas as sugestões homossexuais (quase) desapareceram, a brutalidade do sargento 'Fatso' Judson passam de banais a excepcionais, fruto de uma mente patológica, e o capitão Holmes, em lugar de ser promovido, é castigado pela hierarquia.
Este filme foi um dos grandes sucessos do ano em todo o mundo, tendo ganho ainda mais sete Oscars: Melhor Filme, Melhor Realizador (William Wyler), Melhor Actor Secundário (Frank Sinatra),Melhor Actriz Secundária (Donna Reed), Melhor Fotografia (preto e branco) (Burnett Guffey), Melhor Som e Melhor Montagem. Tinha sido ainda nomeado para Melhor Actor (2 nomeações, Montgomery Clift e Burt Lancaster), Melhor Actriz (Deborah Kerr), Melhor Música e Melhor Guarda-Roupa (a preto e branco). O seu triunfo de crítica foi acompanhado pelo de bilheteira, tendo ficando apenas atrás de “A Túnica” (The Rope), que viveu sobretudo do facto de ser o primeiro filme em Cinemascope.  


A realização de Fred Zinnemann tem alguns momentos magníficos. Refira-se a abrir a nunca por demais citada cena de amor na praia, com Burt Lancaster e Deborah Kerr enrolados pelas ondas que agitam o areal, ou uma fabulosa sequência de ajuste de contas entre Montgomery Clift e Ernest Borgnine, quase toda ela elidida, sugerindo muito mais do que mostrando, ou o ataque nipónico ao quartel. A verdade é que a qualidade da realização se socorre muito do trabalho de um elenco de eleição (julgo que Montgomery Clift e Burt Lancaster ultrapassam todos os outros), onde existem deliberadamente castings aparentemente despropositados que todavia resultam brilhantemente. Quem imaginaria antes Montgomery Clift boxeur e um duro de antes quebrar que torcer? Quem colocaria a elegante e senhoril Deborah Kerr no papel de uma mulher adúltera? Quem inventaria um papel de prostituta para a noiva de James Stewart em “Do Céu Caiu uma Estrela”? Já as más-línguas dizem que quem inventou o papel de Frank Sinatra (afastando Eli Wallach, que havia sido o escolhido previamente) terá sido a Mafia, que o impôs para relançar a carreira do cantor-actor, então num momento desastroso da sua trajectória, ainda por cima em crise conjugal com a sua adorada Ava Gardner. Imposto ou não, o certo é que o seu Oscar haveria de o recolocar na senda do êxito.
Não deixa de ser curioso saber-se que inicialmente os actores previstos eram Aldo Ray, Edmond O'Brien, Joan Crawford, Julie Harris e Eli Wallach para os papéis finalmente atribuídos a Clift, Lancaster, Kerr, Reed e Sinatra.
Rodado parcialmente em estúdio e durante três semanas nas instalações militares de Schofield Barracks, no Hawai, esta obra contaria com várias outras versões, dado o seu sucesso. Em 1978, o canal ABC-TV criou uma mini-série, “Pearl”, com Angie Dickinson e Dennis Weaver. No ano seguinte, surgiu um teledramático de duas horas, “From Here to Eternity”, com um vasto elenco (William Devane, Natalie Wood, Steve Railsback, Joe Pantolino, Peter Boyle e Kim Basinger), com realização de Buzz Kulik. Em 1980, daria uma mini-série. Michael Bay, por seu turno, em 2001, rodaria “Pearl Harbor”, uma superprodução adocicada por um lado e truculenta por outro, que não despertou grande entusiasmo a não ser pelas suas cenas de pirotecnia. 
Em Outubro de 2012, o Shaftesbury Theatre anunciava para Setembro do ano seguinte a estreia de “From Here to Eternity - the Musical”, baseado num argumento de Bill Oakes com encenação de Tamara Harvey, coreografia de Javier De Frutos, orquestração de David White, cenários e guarda-roupa de Soutra Gilmour, com música original de Stuart Brayson e poemas de Tim Rice. Foram sete meses e meio de representações com um elenco composto por Darius Campbell (Warden), Robert Lonsdale (Prewitt), Ryan Sampson (Maggio), Siubhan Harrison (Lorene) e Rebecca Thornhill (Karen). Estreou realmente a 30 de Setembro de 2013, e terminou a carreira a 29 de Março de 2014.


ATÉ À ETERNIDADE
Título original: From Here to Eternity
Realização: Fred Zinnemann (EUA, 1953); Argumento: Daniel Taradash, segundo romance de James Jones; Produção: Buddy Adler; Música: George Duning; Fotografia (p/b):  Burnett Guffey, Floyd Crosby (este último não creditado); Montagem: William A. Lyon; Casting: Maxwell Arnow; Direcção artística: Cary Odell; Decoração: Frank Tuttle; Guarda-roupa: Jean Louis; Maquilhagem: Clay Campbell, Helen Hunt, Robert J. Schiffer; Assistente de realização: Earl Bellamy; Som: Lodge Cunningham, John P. Livadary; Companhia de produção: Columbia Pictures Corporation; Intérpretes: Burt Lancaster (Sgt. Milton Warden), Montgomery Clift  (Robert E. Lee Prewitt), Deborah Kerr (Karen Holmes), Donna Reed (Alma / Lorene), Frank Sinatra (Angelo Maggio), Philip Ober (Capt. Dana Holmes), Mickey Shaughnessy (Sgt. Leva), Harry Bellaver (Mazzioli), Ernest Borgnine (Sgt. 'Fatso' Judson), Jack Warden (Corp. Buckley), John Dennis (Sgt. Ike Galovitch), Merle Travis (Sal Anderson), Tim Ryan (Sgt. Pete Karelsen), Arthur Keegan, Barbara Morrison, Claude Akins, Vicki Bakken, Margaret Barstow, Henry Beau, Willis Bouchey, John Bryant, Mary Carver, John L. Cason, Mack Chandler, John Davis, Don Dubbins, Elaine DuPont, Moana Gleason, Robert Healy, Douglas Henderson, June Horne, James Jones, Robert Karnes, Manny Klein, Edward Laguna, Carey Leverette, Weaver Levy, William Lundmark, Freeman Lusk, Tyler McVey, Kristine Miller, Patrick Miller, Robert Pike, Allen Pinson, George Reeves, Joe Roach, Fay Roope, Delia Salvi, Louise Saraydar, Alvin Sargent, Joseph Sargent, Joan Shawlee, Al Silvani, Angela Stevens, Brick Sullivan, John Veitch, Guy Way, Norman Wayne, Robert J. Wilke, Jean Willes, Norman Wright, Carleton Young, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal / Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 5 de Novembro de 1954.


DEBORAH KERR (1921-2007)
Deborah Jane Kerr-Trimmer nasceu a 30 de Setembro de 1921, em Helensburgh, Glasgow, na Escócia, e viria a falecer a 16 de Outubro de 2007, aos 86 anos, em Botesdale, Suffolk, Inglaterra, atormentada pela doença de Parkinson. Deixou viúvo o escritor Peter Viertel, com quem esteve casada mais de 47 anos. Antes havia sido casada com Anthony Bartley, piloto da força aérea (1945–1959). Foi coleccionando prémios e honrarias ao longo da sua extensa carreira como actriz, tendo sido nomeada por seis vezes para o Oscar de Melhor Actriz, que nunca ganhou, mas foi-lhe atribuído um Oscar honorário, por ter sido “uma artista de impecável graça e beleza, uma dedicada actriz cuja carreira se pautou sempre pela exigência de perfeição, disciplina e elegância”.
Filha de Kathleen Rose e Arthur Charles Kerr-Trimmer, um capitão veterano que perdeu uma perna durante a I Guerra Mundial, e se dedicaria depois à engenharia civil. Kerr estudou na Northumberland House School, em Henleaze, Bristol, e na Rossholme School, Weston-super-Mare. A sua orientação inicial terá sido o bailado, tendo mesmo aparecido enquanto tal, em 1938, num palco de Sadler's Wells. Mas rapidamente o teatro e o cinema a conquistariam. Teve como primeiro professor de arte dramática um tio, Phyllis Smale, professor na Hicks-Smale Drama School, em Bristol. Surgiu em várias produções teatrais, em muitas encenações de Shakespeare para o Open-Air Theatre, ou o Oxford Playhouse. Em Londres, no West End, no início da década de 40. 
Surge no cinema em obras da dupla Michael Powell e Emeric Pressburger (numa das suas obras autobiográficas, Powell confessa que ele e Deborah Kerr foram amantes nessa época), e interpretou dezenas e dezenas de filmes, sempre deixando marca da sua beleza, elegância e talento. Nalguns poderia parecer fria e distante, mas noutros deixou vir ao de cima a sua arrojada sensualidade. Alguns actores que com ela contracenaram, como Stewart Granger ou Burt Lancaster, contam como foram seduzidos por esta mulher “The Life and Death of Colonel Blimp”, “Black Narcissus”, “Separate Tables”, “Quo Vadis”, “The Innocents”, “Heaven Knows, Mr. Allison”, “Julius Caesar”, “The King and I”, “An Affair to Remember”, “Tea and Sympathy” ou “From Here to Eternity” são apenas alguns exemplos onde ficou registado o fascínio da sua presença.


Filmografia

Como actriz: 1940: Contraband, de Michael Powell (cena retirada da montagem final); 1941: Major Barbara, de Gabriel Pascal; Love on the Dole, de John Baxter; 1942: Penn of Pennsylvania (Penn, o Fundador da Pensilvânia), de Lance Comfort; Hatter's Castle (O Castelo do Homem sem Alma), de Lance Comfort; The Day Will Dawn, de Harold French; A Battle for a Bottle (curta, de animação); 1943: The Life and Death of Colonel Blimp (A Vida do Coronel Blimp), de Michael Powell e Emeric Pressburger; 1945: Perfect Strangers (Férias de Casamento); 1946: I See a Dark Stranger (A Espia da Irlanda), de Jack Conway; 1947: Black Narcissus (Quando os Sinos Dobram), de Michael Powell e Emeric Pressburger; The Hucksters (Traficante de Ilusões), de Jack Conway; If Winter Comes (Intriga), de Victor Saville; 1949: Edward, My Son (Meu Filho Eduardo), de George Cukor; 1950: Please Believe Me, de Norman Taurog; King Solomon's Mines (As Minas de Salomão), de Compton Bennett; 1951: Quo Vadis (Quo Vadis), de Mervyn LeRoy; 1952: The Prisoner of Zenda (O Prisioneiro de Zenda), de Richard Thorpe; Thunder in the East (Tempestade no Oriente), de Charles Vidor; 1953: Young Bess (Amor de Rainha), de George Sidney; Julius Caesar (Júlio César), de Joseph L. Mankiewicz; Dream Wife (A Esposa Ideal), de Sidney Sheldon; From Here to Eternity (Até à Eternidade), de Fred Zinnemann; 1955: The End of the Affair (O Fim da Aventura), de Edward Dmytryk; 1956: The Proud and Profane (Ela Amou Um Bruto), de George Seaton; The King and I (O Rei e Eu), de Walter Lang (dobrada nas canções por Marni Nixon); Tea and Sympathy (Chá e Simpatia), de Vincente Minnelli; 1957: Heaven Knows, Mr. Allison (O Espírito e a Carne), de John Huston; An Affair to Remember (O Grande Amor da Minha Vida), de Leo McCarey; Kiss Them for Me (Quatro Dias de Loucura) (dobrada nalgumas cenas por Suzy Parker); 1958: Bonjour Tristesse (Bom Dia, Tristeza), de Otto Preminger; Separate Tables (Vidas Separadas), de Delbert Mann; 1959: The Journey (Crepúsculo Vermelho), de Anatole Litvak; Count Your Blessings, de Jean Negulesco; Beloved Infidel, de Henry King; 1960: The Sundowners (Três Vidas Errantes), de Fred Zinnemann; The Grass Is Greener (Ele, Ela e o Marido), de Stanley Donen; 1961: The Naked Edge, de Michael Anderson; The Innocents (Os Inocentes), de Jack Clayton; 1963: ITV Play of the Week (episódio Three Roads to Rome); 1964: On the Trail of the Iguana; The Chalk Garden, de Ronald Neame; The Night of the Iguana (A Noite de Iguana), de John Huston; 1965: Marriage on the Rocks (Divórcio à Americana), de Jack Donohue; 1966: Eye of the Devil, de J. Lee Thompson; 1967: Casino Royale (Casino Royale), de Val Guest, Ken Hughes, John Huston, Joseph McGrath e Robert Parrish; 1968: Prudence and the Pill, de Fielder Cook; 1969: The Gypsy Moths (Os Paraquedistas), de John Frankenheimer; The Arrangement (O Compromisso), de Elia Kazan; 1982: BBC2 Playhouse (episódio "A Song at Twilight"); Witness for the Prosecution (telefilme); 1984: A Woman of Substance,  de Don Sharp (mini-série de TV); 1985: The Assam Garden, de Mary McMurray; Reunion at Farnborough, de Herbert Wise (telefilme); A Woman of Substance (mini-série de TV); 1986: Hold the Dream, de Don Sharp (telefilme).

domingo, 14 de junho de 2015

17 DE JUNHO DE 2015


ENTRE DUAS LÁGRIMAS (1952)

“Carrie” (Entre Duas Lágrimas) parte de um romance de Theodore Dreiser ("Sister Carrie"), um dos mais importantes escritores norte-americanos do início do século XX. Theodore Herman Albert Dreiser (1871—1945) pertenceu ao naturalismo social, de tendência socialista e mesmo comunista (filiou-se no partido comunista norte-americano alguns meses antes de morrer), sendo “Sister Carrie” (1900) o seu primeiro romance, a que se seguiram outros que tiveram igualmente adaptações cinematográficas, como “An American Tragedy”, de Josef von Sternberg (1931), mais tarde outra vez adaptado, em 1951, com o título “A Place in the Sun”, por George Stevens.
"Sister Carrie", passado ao cinema por Ruth Goetz e Augustus Goetz, sofreu várias alterações, desde logo no título que, no cinema, perdeu o “Sister” para não ser tomado como obra religiosa. Mas o férreo código Hays exerceu ainda forte censura durante a adaptação que inicialmente foi proibida. Mas, de concessão em concessão, lá se conseguiu um argumento que passou, surgindo sobretudo muitos acertos na figura de Carrie, que foi muito nuanceada na descrição da sua personalidade. Carrie Meeber (Jennifer Jones) é uma jovem que vive numa pequena cidade da província e parte para Chicago para melhorar a sua vida. Instala-se em casa de uma irmã, mas rapidamente se deixa seduzir por um pequeno industrial, Charles Drouet (Eddie Albert), que a põe por conta e a leva a jantar a um restaurante sofisticado, dirigido por George Hurstwood (Laurence Olivier), homem muito mais velho que ela, casado com Julie Hurstwood (Miriam Hopkins) e pai de filhos, que se apaixona e deixa a família para vir viver com ela. O desenrolar da trama funciona como um melodrama de paixões intensas, com trajectos de vida desencontrados, enquanto Carrie sobe na vida como artista de music-hall, George afunda-se na mais completa indigência moral e física. A história, sem a grandeza “épica” de um “O Anjo Azul”, aproxima-se deste, com a figura feminina a ostentar um comportamento de compaixão muito diferente. Mas a grandeza da obra está na forma como descreve o ambiente social do século XIX nos EUA, como acompanha a evolução das personagens, mas também na hábil realização de William Wyler e dos seus colaboradores, desde o director de fotografia, Victor Milner, magnífico na fotografia a preto e branco, ao compositor David Raksin, aos directores artísticos Roland Anderson e Hal Pereira, aos figurinos da eterna Edith Head. Todos concorrem para uma obra de grande qualidade plástica, que se pressente, aqui e ali, quase totalmente rodada em estúdio (Paramount Studios - 5555 Melrose Avenue, Hollywood, Los Angeles), mas que mantém uma plausibilidade evidente.
Curiosamente, e apesar do rigor da censura, “Entre Duas Lágrimas” ainda deixa passar muitos sintomas de uma sociedade hipócrita e de falsa moral, onde a chantagem económica prevalece e arruína estatutos sociais, onde a mulher é vista como elemento a valorizar em função do seu físico, onde a vida familiar vive da aparência, onde a miséria se instala em todos os estratos sociais, da miséria económica à miséria moral.
William Wyler é um cineasta dos mais interessantes neste período (dos anos 40 a 60), com uma filmografia que fez frente a John Ford, causando até certa polémica nos meios da crítica internacional, que opunha um ao outro, como o mestre incontestável do cinema norte-americano. Na verdade, a sua obra é impressionante de qualidade e vigor, de sensibilidade e de interesse humano e social, denotando mesmo um certo estilo muito próprio, pela delicadeza dos movimentos de câmara, a justeza dos planos-sequência, e sobretudo a discreta mas perturbante direcção de actores. Tudo o que se pode admirar nesta obra de uma envolvência emocional extrema, galopando serenamente para o melodrama, sem nunca retirar os pés de uma sólida crítica social. Atente-se na sequência que assinala o encontro de Carrie e George no interior do restaurante, com a câmara a acompanhar o movimento de ambos, divididos por uma parede de vidro que os separa (e os une). Veja-se o excelente desempenho de todo o elenco, com particular destaque para Jennifer Jones, Laurence Olivier e Eddie Albert, todos eles em momentos altos das suas carreiras.
Como curiosidade, diga-se que Laurence Olivier aceitou interpretar o papel de George Hurstwood para poder estar em Hollywood ao mesmo tempo que a mulher, Vivien Leigh, que nessa altura criava a fabulosa personagem de Blanche, em “Um Eléctrico Chamado Desejo” (1951). Conhecido o clima de turbulência sentimental que o casal atravessava e as crises de instabilidade de Vivien Leigh, esta terá sido uma boa opção de Olivier que, todavia, não evitou o divórcio, tempos depois.

ENTRE DUAS LÁGRIMAS
Título original: Carrie
Realização: William Wyler (EUA, 1952); Argumento: Ruth Goetz, Augustus Goetz, segundo romance de Theodore Dreiser ("Sister Carrie"); Produção: Lester Koenig, William Wyler; Música: David Raksin;  Fotografia (p/b): Victor Milner; Montagem: Robert Swink; Direcção artística: Roland Anderson, Hal Pereira; Decoração: Emile Kuri; Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Larry Germain, Wally Westmore; Som: Leon Becker, John Cope, Hugo Grenzbach; Efeitos visuais: Farciot Edouart; Companhia de produção: Paramount Pictures; Intérpretes: Laurence Olivier (George Hurstwood), Jennifer Jones (Carrie Meeber), Miriam Hopkins (Julie Hurstwood), Eddie Albert (Charles Drouet), Basil Ruysdael (Mr. Fitzgerald), Ray Teal (Allen), Barry Kelley (Slawson), Sara Berner (Mrs. Oransky), William Reynolds (George Hurstwood, Jr.), Mary Murphy (Jessica Hurstwood), Harry Hayden (O'Brien), Charles Halton, Walter Baldwin, Dorothy Adams, Jacqueline deWit, Harlan Briggs, Melinda Plowman, Donald Kerr, Don Beddoe, John Alvin, Charles Smith, Frank Wilcox, etc. Duração: 117 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): Paramount / Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 29 de Abril de 1953.


JENNIFER JONES (1919-2009)
Poucas actrizes se podem gabar de terem sido nomeadas quatro anos sucessivos para o Oscar de Melhor Actriz. Poucas se podem gabar igualmente de ganhar a estatueta logo na sua primeira interpretação como protagonista. Jennifer Jones ganhou o Oscar de Melhor Actriz em 1944, com “A Canção de Bernardette”, e recebeu mais quatro nomeações para o mesmo troféu: 1945, “Desde Que Tu Partiste”; 1946: “Cartas de Amor”; 1947: “Duelo ao Sol”; e 1956: “A Colina da Saudade”. Ganhou ainda o Globo de Ouro de Melhor Actriz num filme dramático, ainda em 1944, para “A Canção de Bernardette”.
Jennifer Jones nasceu com o nome de Phylis Lee Isley, em Tulsa, Oklahoma, EUA, a 2 de Março de 1919, tendo falecido em Malibu, EUA, a 17 de Dezembro de 2009. Os pais, Flora Mae e Phillip Ross Isley, viajaram pelo interior do país com uma barraca de espectáculos que dirigiam. Jennifer Jones estudou na Faculdade Monte Cassino Junior, em Tulsa, e na Universidade Northwestern, em Illinois, onde foi membro da irmandade Kappa Alpha Theta, antes de se transferir para a Academia Americana de Artes Dramáticas de Nova Iorque, em 1938. Foi aqui que conheceu Robert Walker, com quem se casou a 2 de Janeiro de 1939. Ainda como Phylis Isley, e já em Hollywood, conseguiu dois papéis pequenos, primeiro no western de 1939 “New Frontier”, e no serial “Dick Tracy's G-Men”, antes de ser recusada pela Paramount Pictures. Em Nova Iorque foi modelo de chapéus, da agência de John Robert Powers, quando percebeu que o produtor David O. Selznick fazia testes para encontrar a protagonista de “Claudia”, peça teatral de Rose Franken, de grande êxito. Ela apreceu, mas sentiu-se tão mal no teste que fugiu, em lágrimas. Selznick, entretanto, ficou de tal forma impressionado que a mandou regressar, assinando um contrato de sete anos com ela (mais tarde assinaria um de vida intera, casando com a actriz, provocando o divórcio de Robert Walker, que irá falecer pouco depois, vítima de álcool e drogas). Foi Henry King quem a contratou, já sob o nome de Jennifer Jones, para o seu novo filme, “A Canção de Bernardette”, entregado-lhe o papel de Bernadette Soubirous, o que a leva ao Oscar de Melhor Actriz, alcançado no dia em que completava 25 anos. A concorrer com ela estava Ingrid Bergman (em “For Whom the Bell Tolls”), a quem pediu desculpa por lhe “roubar” a estatueta. Mas Bergman respondeu-lhe: "Não, Jennifer, sua Bernadette foi melhor do que a minha María". No ano seguinte, com as duas novamente nomeadas, Ingrid Bergman receberia o Oscar por “Gaslight” das mãos da amiga. Foi o início de uma carreira carregada de sucessos, sempre orientada pela visão de Selznick. Em “Duel in the Sun”, escrito e produzido por Selznick para glória de Jennifer, esta brilha a grande altura, num registo completamente diferente de Bernardette, fogosa e sensual. “Since You Went Away” (1944), “Love Letters” (1945), “Cluny Brown” (1946), “Portrait of Jennie” (1948), “Madame Bovary” (1949), “Carrie” (1952), “Ruby Gentry” (1952), “Beat the Devil” (1953), “Good Morning Miss Dove” (1955), “Love is a Many-Splendored Thing” (1955), “The Man in the Gray Flannel Suit” (1956) ou “A Farewell to Arms” (1957) são momentos altos na sua filmografia. O seu derradeiro papel no cinema surge no filme catástrofe “The Towering Inferno” (1974), retirando-se depois, após o seu terceiro casamento, com o industrial multimilionário e coleccionador de arte Norton Simon. O casal sobreviveu a várias mortes violentas: um filho de Jennifer e de Robert Walker suicidou-se. Robert Walker, como já vimos, não sobreviveu muito tempo ao divórcio de Jennifer. A filha resultante do seu segundo casamento, Mary Jennifer Selznick, suicidou-se, em 1976, lançando-se da janela do vigésimo andar de um prédio. Um filho de Norton Simon, de um anterior casamento, suicidou-se igualmente. Em Novembro de 1967, ela própria tentou suicidar-se, num hotel de Malibu. Preocupada com as doenças mentais e dada à psicologia, em 1980 doou um milhão de dólares para criar a “Jennifer Jones Simon Foundation for Mental Health and Education”. Jennifer e Norton casaram em 1971, depois de se terem conhecido numa festa-leilão em que era posto à venda o quadro de Jennifer Jones que aparece em “Portrait of Jennie”. Norton Simon morreu em Junho de 1993, e a mulher passou a presidente e administradora emérita do Museu Norton Simon, em Pasadena. Viveu os últimos anos no Sul da Califórnia, depois de ultrapassar um cancro de mama, recusando-se a dar entrevistas e raramente aparecendo em público. Morreu de causas naturais, a 17 de Dezembro de 2009, aos 90 anos de idade. Encontra-se sepultada no Forest Lawn Memorial Park (Glendale), Glendale, Los Angeles, EUA. Casada com Robert Walker (1939 - 1945), David O. Selznick (1949 - 1965) e Norton Simon (1971 - 1993).



Filmografia:

Como actriz: 1939: New Frontier, de George Sherman; The Streets of New York (TV); Dick Tracy's G-Men (O Espião Assassino), de William Witney e John English; 1943: The Song of Bernadette (A Canção de Bernadette), de Henry King; 1944: Since You Went Away (Desde Que Tu Partiste), de John Cromwell; The Fighting Generation (curta-metragem); 1945: Love Letters (Cartas de Amor), de William Dieterle; 1946: Duel in the Sun (Duelo ao Sol) de King Vidor; Cluny Brown (O Pecado de Cluny Brown), de Ernst Lubitsch; 1948: Portrait of Jennie (O Retrato de Jennie), de William Dieterle; 1949: We Were Strangers (Os Insurrectos), de John Huston; Madame Bovary (Madame Bovary), de Vincente Minnelli; 1950: Gone to Earth (A Raposa) de Michael Powell e Emeric Pressburger; The Wild Heart (nova versão de A Raposa, imposta por Selznick), de Michael Powell, Emeric Pressburger e Rouben Mamoulian (para a versão americana); 1952: Carrie (Entre Duas Lágrimas), de William Wyler; Ruby Gentry (A Fúria do Desejo), de King Vidor; 1953: Stazione Termini (Estação Terminus), de Vittorio De Sica; Beat the Devil (O Tesouro de África) de John Huston; 1955: Love Is a Many-Splendored Thing (A Colina da Saudade), de Henry King; Bonjour Miss Dove (Bons Dias, Miss Dove), de Henry Koster; 1956: The Man in the Gray Flannel Suit (O Homem de Fato Cinzento), de Nunnally Johnson; 1957: The Barretts of Wimpole Street (Miss Bá), de Sidney Franklin; A Farewell to Arms (O Adeus às Armas), de Charles Vidor; 1962: Tender is the Night (Terna é a Noite), de Henry King; 1966: The Idol (O Ídolo Quebrado), de Daniel Petrie; 1969: Angel, Angel, Down We Go de Robert Thom; 1974: The Towering Inferno (A Torre do Inferno), de John Guillermin; 1989: The American Film Institute Salute to Gregory Peck (TV), de Louis J. Horvitz.